Por que escrevo?
Escrevo para não morrer.

(José Saramago)

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

UM RESGATE DE MINHAS ENTREVISTAS E LEITURAS SOBRE MANOEL DE BARROS


A idéia oriunda de entrevistar o poeta Manoel de Barros nasceu quando eu trilhava o caminho da Pós-graduação Latu Sensu em Literatura Brasileira na UNEMAT e escrevia sobre O canto do insólito em Murilo Mendes, João Cabral de Melo Neto e Manoel de Barros. Meu ex- orientador de literatura chamado Isaac Newton Almeida Ramos, que também comparou a poesia de Manoel de Barros e Fernando Pessoa, concedeu-me o telefone do poeta. Em seguida, liguei e a dona Stella de Barros atendeu com maior simplicidade e concedeu-me o endereço. A segunda vez aconteceu em 2008, a partir da minha atual pesquisa de mestrado na UFG com o projeto Convergências poéticas: Manoel de Barros, João Cabral de Melo Neto e Corsino Fortes, com a orientação da Profª. Drª. Goiandira de Fátima Ortiz de Camargo.
Não encontrei nenhum obstáculo para entrevistar o poeta, uma vez que assim como Manoel de Barros, eu tenho horror a câmeras e microfones. Eu mesma pedi a entrevista por escrito porque dois tímidos não conversariam muito bem. Nunca iria conversar pessoalmente com Manoel de Barros e nem tenho objetivos para isso. Preferi amar a poesia dele estudando-a. Não iria falar com ele porque eu me sentiria pequena demais como ele se sentiu no Rio de Janeiro quando tentou falar com o Manuel Bandeira. Não foi difícil para mim e muito menos para Manoel. Tímidos se realizam melhor na escrita, na pintura e na música. A solidão de indivíduo é melhor para o poeta. Destarte, tudo que pedi ao poeta veio muito mais rápido que o vôo de uma garça no Pantanal mato-grossense.
Meu contato com a poesia de Manoel de Barros foi a partir do Livro sobre nada que li umas quatro vezes e justamente os “nadifúndios” que infinitam e celestam o poeta ficaram em mim. Depois li a Gramática expositiva do Chão: poesia quase toda e fiquei com a imagem do “tatu fodendo em cima da tatua”. Em seguida, O guardador de águas e vislumbrei com o poeta desejando “ficar mais porcarias nas palavras”, O livro das Ignorãças, dentre outros, e fiquei como uma adolescente que descobre o beijo e não quer mais parar. É assim que eu me sinto quanto à poesia de Manoel de Barros, não consigo deixá-la nas minhas investigações. Às vezes penso em não continuar com a poesia dele no futuro doutorado, mas pressinto que nasci para cumprir um papel de estudiosa de sua lírica. Saliento, por exemplo, que antes de sair o livro Poemas Rupestres ele escreveu-me dizendo que este poderia ser seu último livro que estava no prelo, na Editora Record. Eu fiquei dias imaginando a pedra, o rústico e a língua virgem, ou a linguagem em estado nascente da que fala Paul Valéry em Poesia e pensamento abstrato. Quando o livro saiu não tive dúvidas e pensei: “este será mais um livro para o meu mestrado”. Parece-me que a “disfunção lírica” dele me pegou de uma forma incomensurável. Confesso leitor, que imaginava “a palavra de brinco”, mas não pensei “no menino que se enfiaria “dentro de uma abelha pensando ser a infância da língua”. Voei fora da asa quando li Poemas Rupestres porque sempre gostei da palavra concreta e mineral. Hoje entendo que o momento certo para fazer o mestrado seria agora porque eu viria certamente a essas páginas falar das obras de Manoel de Barros. A teologia do traste foi o poema que tocou meu ser e vi no avesso de cada verso que Manoel de Barros tem ideias iluminadas, não as ideias abstratas concebidas, mas as concretas. Recordo a imagem fabulosa no poema Se Achante que se inicia com o discurso dos contos de fadas: “era um caranguejo muito se achante” que vinha “montado num coche de princesa”. Não há como não se encantar e se incorporar com essas palavras. Muito bem disse Manoel em Livro sobre nada que “poesia é voar fora da asa”. Não escondo que eu senti ciúme da obra Poemas Rupestres. Queria ser a primeira a ler ou a primeira a estudar. Sonho com as Obras Completas do senhor Manoel que talvez será meu objeto inteiro no doutorado que não tenho pressa, mas sei da minha continuidade com a poesia manoelina.
No começo, o interesse pela obra de Manoel de Barros nasceu pelo fato de eu ter errado justamente a questão no vestibular acerca do Livro sobre nada que eu tinha lido e relido. Queria entender esses “nadifúndios”, mas não sabia que “entender é parede”. Depois cresceu pelo simples biografismo do poeta nas entrevistas do jornalista Otavio Guizzo de Mato Grosso do Sul e da Berta Waldman e, sobretudo, pelas aulas de Análise da Poética, ministrada pelo professor Isaac que me ensinou a gostar do Manoel de Barros e amar mais a poesia lírica. Posteriormente, busquei saber o que os críticos falavam de Manoel. Li o comentário que o Alfredo Bosi escreveu sobre ele em História Concisa da Literatura Brasileira. Penso que Manoel de Barros e Cora Coralina foram marcados pelo esquecimento da crítica. Manoel sempre correu dos críticos. Mas há sempre um abençoado que leva a arte que já nasce com brilho, assim como o Carlos Drummond de Andrade falou de nossa goiana Cora e o Millôr falou do nosso Manoel. O tempo é engenhoso como escreveu Guimarães Rosa no conto Desenredo. Todavia, é o tempo o responsável pela eternidade do enredo desses bons poetas. A glória que o público chama de fama vem na hora certa, mas creio que a maior glória de um poeta reside na sensação orgasmática de cada verso escrito e lido. Prêmios nacionais e internacionais e comentários da crítica são consequências da própria obra que está condicionada ao tempo.
Hoje, creio que o desconhecimento de sua lírica já foi condicionado a esse tempo. Não vejo mais Manoel de Barros como um “nômade”. Creio que o Brasil tem públicos diferenciados de leitura e a obra dele requer, de certa forma, um público elitista. A poesia não é tão rentável, mas pelo número significativo de livros vendidos, para mim, ele é muito conhecido e pode chegar a ser cânone. Detesto esta palavrinha cânone porque Manoel de Barros é maior que toda essa discussão de grupos locais, nacionais e lero lero. Não precisa ser um Bernardo Élis na Academia Brasileira de Letras para ser lido e admirado. Que fique claro, não tenho nada contra os imortais da literatura na academia, muito menos contra o Élis dos goianos. Só creio que ficar discutindo o poeta/romancista como cânone empobrece a obra e distancia leitores, pois o que é realmente bom não precisa ser forçado. O tempo e os leitores se encarregam das boas respostas.
Eu disse acima que o leitor de Manoel é elitista. Sei que da mesma forma que a tragédia no mundo helênico era para um público superior, assim pode ser hoje a poesia de Manoel de Barros. Entretanto, não quero dizer que um leitor não-acadêmico não possa ler sua poética. Penso no leitor mirim, por exemplo, meu filho que ouviu o título da história do “menino que carregava água na peneira” e depois disse: “nossa que mentiroso é esse Manoel de Barros porque ele inventou essa história de água na peneira e a água não vai sair pelo buraco?”. Ou até mesmo o poema “Campeonato” do Fazedor de Amanhecer que o deixou encantado por meio da “disputa dos meninos que conseguiam urinar mais longe e davam inveja nas meninas”. Manoel de Barros é aclamado por leitores de todas as idades. O poeta é aclamado porque há um grande número de leitores que aprovam suas invenções e ficam na expectativa do próximo livro e nem precisa entrar para a Academia Brasileira de Letras porque a imortalidade de Manoel de Barros reside no “celestamento” de cada verso que ele escreveu. Em tom profético, acredito que a obra de Manoel de Barros ainda será objeto de muito estudo no Brasil e no mundo. O bem maior que é a sua poesia será lembrado nos bens do próprio poeta pelas gerações vindouras, tais como: “os fazedores de inuntensílios”, “um travador de amanhecer”, “uma teologia do traste”, “uma folha de assobiar”, “um alicate cremoso”, “uma escória de brilhante”, “um caranguejo todo se achante”, “um parafuso de veludo” e “um lado primaveril”, além do verso “poesia é voar fora da asa” e tantas outras heranças. No futuro tão próximo, vejo a poesia de Manoel de Barros consagrada e "canônica", eis a infeliz palavrinha novamente para agradar alguns e ferir meus ouvidos. Como a prosa poética do Guimarães Rosa, “Manoel de Barros não morrerá, ficará encantado”.
Eu diria àqueles que ainda não conhecem a obra de Manoel de Barros que procurem observar as “sobras do lixo e dos rios podres que correm por dentro de nós”, desse ser estilhaçado que perde a sua unidade interior, conforme citado na pesquisa A poesia alquímica de Manoel de Barros de Goiandira de Fátima Ortiz de Camargo. Em síntese, minhas memórias e descrições sobre o poeta Manoel de Barros residem em meus poemas e na minha pesquisa. Portanto, a mais fiel narrativa consta neste discurso de anamnesis e na entrevista editada por Dilson Lages no
http://www.portalentretextos.com.br/ , conforme a autorização que recebi do poeta para divulgar sem nada acrescentar, distorcer ou transformar. Nunca disse a ninguém que sou fã de Manoel de Barros porque não é assim que vejo sua lírica. Vejo-a no plano da linguagem, da imagem poética e procuro investigá-la com subsídios teóricos ou até mesmo por bel-prazer, mas nunca fã porque detestaria me portar como seguidora de ator de novelas de TV. Eu sempre evito cair no “fanatismo bobo” porque acho ridículo e patético, perdoem-me os fanáticos em literatura. Qualquer narrativa distorcida que gerou a minha entrevista sobre o poeta tem sido má exegese de jornalistas que inventaram afirmações e grafaram por conta própria. Nesse texto está o meu retrato verdadeiro sobre a poesia de Manoel de Barros. Além de minhas memórias sobre o poeta, segue abaixo a homenagem no poema que enviei a ele e misturo aqui ao gênero de minha narrativa, já que é possível pensar no hibridismo de gêneros na literatura:

 A BELEZA DOS INÚTEIS

(Ao poeta Manoel de Barros)

No pé da parede nascem ciscos de algodão
Fios chiando surdamente no lixo da praça.
O útil e o inútil do chão valem mais que o fazer
O inútil traz mais beleza que a flor.

A flor é o artista inconfessável.
É com a indiferença dos inúteis
que o poeta ouve o canto do concreto
e toca no avesso da cor do passarinho no fim da tarde.

É o poeta que faz uma borboleta voar parada
Tira suas asas e depois ela vira lesmas
Fica tonta de tanto criar plumas nas palavras.

E no fim aprende com a própria criança do poeta
que a borboleta não voa no pé de algodão.
Vem a outra criança e diz:
A borboleta avoou no chão”.
Rosidelma Fraga – dezembro de 2008.

domingo, 7 de dezembro de 2008

FRAGMENTOS DE MUNDO (para Carlos Drummond de Andrade)

O universo é tão grande que não contempla
os sentimentos das minhas mãos manchadas .
Minha alma é menor que esse universo sagrado.
Meu amor é menor que o coração seco do oásis.

Eu sou menor que a minha solidão de existência.
Fico caída entre a solidão e o mundo.
Minha alma deságua entre o deserto e a água
O deserto corrói meu coração pequeno
O mundo e o deserto são menores que a minha solidão.

Meu isolamento é o retrato de minhas mãos velozes.
A velocidade reina em cada letra que nasce de mim.
O verbo desabrocha no meu coração inexorável
Meu coração é menor que tudo, menor que o Verbo.
Nele cabem apenas os fragmentos de meu ser em bolhas
Os fragmentos de mim é o mundo resumido em pedaços.
O mundo é imenso e não cabe aqui neste poema.
(Rosidelma Fraga.).

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

EROTICAMENTE






Rasgo a colcha dos retalhos
de minhas dores depositadas em cada verso torto.
Violento as algemas da palavra amor
A palavra amor fere a imortalidade do tempo.
Por vezes, sangra as veias secas em cada minuto de súplica.

Oh! Palavra, aceito a batalha de troianos e gregos
Qual Eros e Vênus com lenços de lixo vermelho.
Sangro o negro corpo epifânico das Musas palavras.
Tiro meus pés caligráficos do charco de lixo
para senti-la poderosa e nua de mim.

Eu sou a ganância erótica da poesia
Sou o encontro do paganismo e cristianismo
porque dispo o Divino e sacralizo a poesia.

Sinto a leveza das sedentas mãos de Ulisses sobre meu corpo
Um corpo despido de futuro que não sabe para o mar que vai.
Sou a parte completa da poesia vestida da palavra amor
Caída na sarjeta
a palavra amor vem e imortaliza-me.
Jogada no lixo ela eleva-me no chão do silêncio.
Com o vôo de duas águias
esqueço que restou de mim os cacos das penas.
Fico com a palavra amor, despedaçada e estuprada por minhas mãos.

domingo, 30 de novembro de 2008

METAMORFOSES








Escrever nem uma coisa nem outra é um poema
Reescrever o avesso da palavra antes de ser poema é poesia
Poesia é quando a palavra tira a roupa e esquece a algema.
Poema é a chave para abrir a porta do poético
O que é poético?
Poético pode ser uma borboleta vestida de sol no inverno
Uma barata asmática cheirando neve.
Poético é o estado da poesia antes da metamorfose.
Metamorfose é a poesia que o poeta esconde dentro do lápis
Que só chegará ao estado nascente quando a imagem vomitar
[a palavra.
O resto é tédio sem contemplação do sublime.
01/12/2008.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

MADALENA!

Madalena!
Atiraram-me as pedras
pedras letárgicas
pedras tensas
pedra sobre pedra.

Não edificaram-me
até que as pedras esmagassem
meu rosto opaco, sem vida e sem roupão.

Gritaram todos na rua:
“Madalena, a prostituta vai à rua!”
Quem ao menos olhou a áurea no avesso da minha alma?
Viram-me somente como a mulher no meio da rua
A mulher que passa,
passa...
passa e o mundo apático sorri.

Queria ser a estrela da manhã
Nem que fosse ao Sacristão de Bandeira,
aos mendigos e ciganos.
Aceito por fim o destino
Madalena apedrejada, sem fé, sem amor.
Até a utopia zomba de meu tédio no meio da rua.

Caída e abandona Madalena dorme no oásis.
Cada pedra é o retrato de meu rosto esquecido
pedra que não se edifica
pedra sólida
pedra de memória
pedra rolada
pedra de crateras.

Madalena sorri, Madalena chora.
Madalena se exila do mundo.
As pedras perduraram e Madalena permanece como o eco das palavras:
Madalena lena Mada Mada lena lena lena....
Ma MADALENA
Da ena
Le lena
na... lena
lena... Madalena
ena

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

DESPALAVRA

Um poema é um vazio de letras
A poesia é uma ilha de metáforas
cercada pela infinitude de faces secretas.

Não encontre a poesia no afã do sentido.
Ainda que pareça claridade
O avesso de cada verso ainda não é poesia.

É preciso ouvir a palavra em estado nascente
A palavra antes de ser palavra, despalavra!

Poesia é o silêncio que ainda não tem voz.
É como se as borboletas ainda fossem lagartas.
Ou baratas que ainda não se tornaram água.
Poesia é estado de busca e metamorfose
Poesia sou eu aqui querendo me ser.

ROSIDELMA FRAGA.
(poema escrito em um minuto e 4 segundos,
depois arrumo se a vida permitir!)

domingo, 23 de novembro de 2008

UM MESTRE INDÍGENA







(ao poeta Isaac Ramos
com a minha devoção!)

Era um índio com olhos mui negros
Cujos cabelos são como a tinta do carvão.
Não era índio da selva... nem das tabas
Nem da Epístola de Caminha.
Era índio Mestre! Índio em terra alheia
Muito mais dono que o criador.
Índio sábio! Audaz como pássaro preto
Que chega subitamente e domina
Os traiçoeiros!
Índio que me ensinou a ler versos
Sem ter nada escrito.
Não... não precisa expor as vergonhas saradas
Para revelar os mistérios de um poema!
Basta a nudez de teu olhar espiral...
Um sinal no sorriso.
É preciso amar símbolos e gostar de ser índio.
Índio sem barulho, sem ventos e sem matas...
Mas índio, Isaac, deve ter sangue na pena
Nas palavras selvando as plumas do poema.

ROSIDELMA FRAGA.

NOTA: este poema "um mestre indígena" foi escrito
em setembro de 2001 em homenagem ao meu professor
de literatura, quando eu terminava a graduação
em letras na UNEMAT.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

METADES DE MIM...










Metade de mim é tristeza
Metade de mim é vazio
A outra parte não sei explicar.

Metade de mim tem sede de palavras
E a outra metade quer rasgar a poesia.
Metade de mim é esquecimento
A outra metade é somente saudade
dos minutos eternos que sempre esperei.

Metade de mim é a metade que falta...
Metade é a busca de completude
E a outra metade é narcisismo e epifania.

Metade de mim é Ícaro: a outra metade é Dioniso.
Metade de mim é comédia
E a outra metade é somente tragédia.
Metade de mim é katharsis sem piedade.

Metade sou eu desaguando na valsa fúnebre do piano
E a outra metade sou eu aqui em mil pedaços.
Metade de mim é o nada, o lixo e o luxo.
Metade é a minha poesia debruçada no dicionário
A espera de cada verso que ainda não escrevi.

ROSIDELMA FRAGA - 22/11/08

PALAVRAS DE AMOR...


















(Leiam o poema Fragmentos
de um discurso amoroso, postado
em maio de 2009.)

UM POEMA POR ACASO







Não me peças um poema forçado:
o que não sai das mãos do poeta
fere-o como o animal leopardo.

Contudo que a doçura de tua súplica
por minhas palavras traga minha pena...
O olhar inquieto embriaga a minha vontade epifânica
de eternizá-lo nesta página branca e fria.

Eis a obra e o sagrado.
Encontro-o tal como dissimulo:
Tenho-o em pedacinhos
Com a barba liricamente grisalha
Com o rosto opaco e triste pelo tempo.
Resta-me o destino cratofânico:
Casar palavras minhas com a imagem tua
Amassadas em meus pensamentos e erotizadas
como se fossem mil delírios na noite sombria.
ROSIDELMA FRAGA

domingo, 9 de novembro de 2008

PÁGINAS DE MIM...









Um poeta e um mendigo
qual ser isolado sou eu aqui neste livro.
Sou a página rasgada em mil pedaços,
a folha seca,a colcha de Penélope.
Sou eu quem deságuo no oceano
de palavras adoecidas de mim.
Palavras que se decompõem,
tão somente se debruçam friamente
nas mãos envelhecidas que não afagam o poema.

Sou o destino das horas paradas,
os minutos agonizantes do relógio
em meio ao ermo das ilhas e pedras.
As pedras da vida deixaram meu rosto apagado.
Eu não tinha ontem este rosto triste
Tinha apenas a garrafa de vinho tinto,
a poesia e a música fúnebre em meus pensamentos.
Agora eu fico sozinha com a poesia
adormecida e sem nada dizer.

Rosidelma Fraga-


MINUTOS (Tragédia diária)






...
...
...
...
...
A vida passa muito rápida
Eu tenho pouco tempo
Temo que o mundo acabe em um minuto.
Registro o meu olhar nas passagens
Não preparo rimas e nem ritmos: escrevo.
Não me preocupo em rimar sono com abandono.
Sinto que uma criança dorme na rua
Um bêbado quebra a garrafa no asfalto
O guarda passa e expulsa-o da praça.
Ninguém não faz nada.


A vida passa muito rápida
As pessoas vivem na pura agitação
Eu tenho tido pouco tempo ultimamente.
Um velho anda sozinho na esquina
Um menino vende balas no farol
Uma mulher declama Drummond no viaduto
Um homem abandonado salta na Marginal Tietê
Uma prostituta de 15 anos pede carteira assinada
O mundo inteiro está apático e não sente nada.

A vida passa muito rápida
Eu tenho menos tempo agora.
Um mendigo sobe e desce Copacabana
E pede esmola e o povo resmunga
Um menino foge da escola e cheira cola
Uma mulher joga a criança no rio
E vira sessão de audiência e amnésia na TV.

Eu quase não tenho mais um minuto de tempo
Ninguém não tem tempo: não faz nada
Ninguém reage? Eu sozinha. A palavra
adormece no papel amassado no lixo
E a imagem da poesia permanece aqui comigo
Bem dentro de meu olhar com marcas de passagem.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A IMPORTÂNCIA DE MACHADO DE ASSIS UM SÉCULO DEPOIS DE SUA MORTE

(Este texto está editado na coletânea das 100 melhores redações para professores premiados pela Academia Brasileira de Letras e Folha Dirigida - Rio de Janeiro - 12 de setembro de 2008 - data de lançamento dos textos. Foi uma honra receber o prêmio de edição pela terceira vez, dentre os 37.273 inscritos, não para vanglória de saberes porque isso nunca me envaideceu, mas pela opornunidade de registrar meus pensamentos sobre o cânone literário e imortal Machado de Assis). LEIA- O ABAIXO:
A IMPORTÂNCIA DE MACHADO DE ASSIS UM SÉCULO DEPOIS DE SUA MORTE
O leitor que não é obtuso e já é meu amigo, não deixará de ler e reler as minhas memórias de Machado e admitir que como se serviram “da tampa e do balaio”, usarei “a mão e a luva” para narrar... (Rosidelma Fraga).

Imagine o leitor, quantas vezes eu estive a virar as páginas de Machado de Assis no ensaio de traduzir o enigma de cada uma de suas narrativas ou um discurso que não fosse anfibológico e, por excelência, abarcasse a importância de Machado de Assis um século depois de sua morte. Frente a essa busca incomensurável, vejo-me diante de meu próprio espelho e creio que, para redigir sobre a relevância de Machado, devo atar as duas pontas do tempo, oscilando entre passado e presente, não mais com as idéias fora do lugar, mas com idéias fixas, ao arquétipo de uma faca só lâmina de João Cabral de Melo Neto, a fim de justificar em minha crônica mais que uma representação de um cânone literário chamado Machado de Assis. Não vi outra saída a não ser narrar em primeira pessoa os entrecruzamentos de Machado e a minha memória de suas obras.
Ao olhar no espelho das lembranças, posiciono-me frente ao seu conto Espelho e vejo-me refletida em sua narrativa narcísica. As palavras de um defunto vivo espelham-se em meus pensamentos que voam nas páginas de Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó, A mão e a luva, Americanas, O apólogo, A cartomante e outras histórias. É nas linhas a seguir leitor, que tu saberás da união de minhas memórias com Machado, formando um encontro de mão e luva.
Saibas tu leitor, das memórias de uma professora de Mato Grosso aos subúrbios do Rio de Janeiro. Não importa o nome das obras de Machado, todas me faziam relembrar das páginas que li quando entrei na Rua da Alfândega, na Rua do Ouvidor e, pela imaginação, na Rua Matacavalos, justamente o ano passado na homenagem inexorável aos professores na Casa de Machado de Assis no dia 07 de fevereiro. Não pense o leitor em desistir da narração. Subirei e descerei à história dos subúrbios sem fugir do tema e narrarei a minha surpresa diante da imagem de Machado de Assis na Academia Brasileira de Letras.
Antes disso, não pude evadir. Ir ao Rio de Janeiro e não andar nas ruas por onde caminhou José Dias e outros personagens, seria como se ouvisse o Brás Cubas um século depois de sua morte com o sobressalto da ressurreição, tocando-me com a mão e a luva para dizer: “a leitora que é minha amiga” e está nas ruas que descrevi, quer voltar às pressas para Mato Grosso, “não faça isso querida, eu mudo de rumo”. Ao ouvir minha memória tocada pelo enigmático discurso machadiano que sobrevive nas páginas amareladas de cada obra, caminhei em direção à Rua do Ouvidor e da Alfândega. Ninguém poderia imaginar que uma professora do “lugar onde Judas perdeu as botas” trocaria a poesia visual do Pão de açúcar e o Cristo Redentor que silenciam os mortais por cenas lidas em Machado de Assis. Ninguém pensaria que as ruas pintadas por seus narradores despertariam assaz curiosidades e, sobretudo, conduziriam uma curiosa leitora do interior aos livros da gigantesca Biblioteca Nacional eternizados no minuto de meu olhar diante da imensidão de livros de Machado e outras publicações que sonhei desde a adolescência e nunca pude roubá-los, por medo da condenação. A partir da coletânea A importância de Machado de Assis um século depois de sua morte, todos saberão o que Machado representa para cada professor de literatura. Não encerre a leitura. Entenderás tu, arguto leitor.
Com suas palavras poéticas, Guimarães Rosa permitirá à mão que aqui escreve atar as pontas do tempo que prometi ao leitor no início. Quiçá o Rosa tenha pensado que Machado de Assis, ao fundar a Academia Brasileira de Letras em 1878, estaria se eternizando um século depois de sua morte, bem como já se imortalizava pelo conjunto de suas obras, uma vez que nos livros “as pessoas nunca morrem, ficam encantadas”. Mesmo com as páginas amareladas, o discurso de Machado resiste ao tempo e está “como um cão vivo” na minha memória que virou história e entrará para a História. Logo eu quem recebeu por dedicatória apenas as batatas, mas por ser uma professora mais que vencedora na caminhada incansável em prol da leitura e da arte de contar e casar histórias do excelso Machado ao leitor que agora, com fidúcia, deve estar sem palavras.
E tu leitor, não serás obtuso em discordar, que as pontas das minhas memórias sobre o significado de Machado de Assis puderam acirrar algumas idéias fora do lugar. Entretanto, tenho a audácia de escrever que as pontas do laço dessas idéias serão unidas pelas futuras gerações, juntamente com os outros noventa e nove textos que unirão a essa crônica. Portanto, em louvor à imortalidade de Machado de Assis, bebo as palavras do crítico Maurice Blanchot, as quais adornam os meus laços discursivos, ao endossar o pensamento de que “a eternidade do escritor se traduz pelo fascínio do olhar sobre a obra que se direciona sempre a um eterno recomeço”. Por isso, junto esse ato de recomeçar às minhas memórias do tempo e ao meu “espetáculo” sobre Machado na velha e renovada salinha de aula, confessando o meu desejo de reescrever inúmeras histórias sobre Machado de Assis. Como o espaço é limitado, amanhã darei um tema aos meus alunos: “Por que Machado de Assis não morreu?”. Darei a aula e na Academia Brasileira de Letras levarei outra história que será registrada pela Folha Dirigida aos leitores de todo Brasil. Se o salário de professor não proporcionar a subida às escadas negras da ABL e falar na desejada tribuna, que importa? Nada será mais sensacional que a união de Machado de Assis e as minhas memórias eternizadas no livro que após cem anos de civilização será lido e relido porque livro não tem prazo de validade.
ROSIDELMA FRAGA.

SER POETA É...




SER POETA É ADMITIR QUE SOMOS MOVIDOS POR UMA FORÇA EPIFÂNICA, MESMO NO UNIVERSO DOS ATEUS. SER POETA É IMPLORAR PARA SER ESCRAVO DAS PALAVRAS. É SER MENDIGO COM FOME DE POESIA TODOS OS DIAS. SER POETA É VIVER O MUNDO FANTÁSTICO DA ÉPICA-GREGA E ÉPICA-BÍBLICA, SEM DISTINÇÃO DE CRENÇAS E MITOS. SER POETA É ENCONTRAR COM DEUS E O DEMÔNIO NO MEIO DO CAMINHO E SABER INTENSAMENTE QUAL É A FORÇA QUE NOS LEVA A ESCREVER. ESSA FORÇA CATROFÂNICA ME LEVA A CANTAR SEMPRE.

Rosidelma Fraga - 2008

CANTO IMORTAL A PAVAROTTI










Adeste Fideles em meu leito de folhas caídas,
triunfante na jusante da minha infância.
O canto lírico que minhas mãos afagaram.
Meu universo de quimera e epifania
Que doravante se fará imortalidade
do lírico incomensurável da Ave Maria.

Meu canto de Natal indescritível
Neste dia sagrado Deus a mim escolheu,
Para seres minha palavra eterna
Que o tempo jamais a fará efêmera ou fugaz.
Infinito és tu Pavarotti em todo universo!
Infinito sou eu desaguando em mil pedaços!
Mas é a tua voz que me faz poema em cada instante
Ela reinará sempiternamente aqui comigo.
Tu és a ternura recôndita suavizando meus versos
Nesse deserto de noites insones.
Serás para mim, Luciano, minha lírica sensual
Porque poesia e música se fundem em orgasmo.
A nossa linguagem é corpo e poema:
um erotismo incomensurável!
Estamos aqui nesta fusão lírica.
A tua música libertou minhas palavras das grades,
das algemas que me sempre me aprisionaram...
Eu eternizo nesta página fosca e seca que é o livro
o teu canto sagrado com minhas mudas palavras.
ROSIDELMA FRAGA.
(leia este e outros poemas na biblioteca virtual de escritores)

REVERSO



...
...
...
Ainda que eu cantasse
o futuro...
Ainda que profetizasse
o amor e a quimera...
Não viveria o bastante
para traduzir a face oculta
da caligrafia desses versos...
Nem mesmo seria a caligrafia oculta
de cada poema que escrevi.
Eu sou apenas a poesia algemada
Que ainda meu verso não escreveu:
O reverso das palavras jogadas na poeira
no charco de lodo e no deserto das vivências.
Eu sou ainda o véu sagrado das palavras
Que suplicam pela completude imaculada.
Rosidelma Fraga

(texto protegido pela LDA)

AUSÊNCIA





...
...
...
Acordo cambaleante de sono
Em meio à minha assombrosa
solidão banhada pela tua ausência.
Pressinto teu cheiro e teu sabor:
Meu corpo está ainda molhado
Já tocado pelas mãos imaginárias.

As palavras insistem em sair no papel.
Não há letras
Há sangue nas veias
que destinam sem parar.
Eu fico do outro lado da ilha
do oceano sem fim
a clamar além do corpo
além de um amor sem palavras.

Queria que a porta do céu se abrisse!
A porta está fechada.
Suplicaria algemada aos pés do criador
Ele quiçá não atenderia.
Eu invocaria a expulsão de tua ausência
A dor que ela me causou.
Certamente eu seria apenas
a chama apagada no inferno das decepções.
Eu nunca seria nada que pudesse amar.
Sou o vazio de um corpo despido de futuro.
Resta-me somente a tua imagem e minha dor
Aqui perdida no papel amassado de lembranças.

Rosidema Fraga- (leia este poema na Biblioteca virtual do escritor)