Por que escrevo?
Escrevo para não morrer.

(José Saramago)

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

ESTRÓBILO

(Para Rosidelma Fraga)

Tua alma,
Estróbilo prenhe de poesia,
Distribui-se em sementes.

Sementes lançadas,
De um céu no solo,
A um solo no self.

Sementes levadas,
Pelo vento insular da tua voz.

Sementes plantadas,
Nos vales do mundo a gerar,
A gênese do verso.

Sementes que alimentam de infinito,
Os ócios e vazios do universo.

Fazendo-os férteis,
Repositórios de poesia.

Da poesia de que és,
A forma perfeita e original.

Da poesia que toma o corpo,
Coloniza a mente,
E fecunda o espírito.

Poesia senhora de si,
Poesia sem hora de ser.

Poesia em suma,
Em sumo,
Em soma de vidas.

Poesia vivida,
Princípio vivente.

Das sementes,
A vicejar impunemente.

A crescer inestancável,
No coração de quem sente.

De quem sente, como eu,
A luz chegar de repente.

(Autor: Hebane Lucácius)

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

HEBANE, O INFINITO

De quem são as marcas alvas do sorriso e os detalhes
de cada gesto que ao infinito
da alma a lira evanesce e ordena aos meus olhos que se calem?

Bem sabe um poeta quando as linhas curvas
de uma grande épica se cruzam
entre as brumas silenciosas da alma dos heróis.

‘Stamos em pleno silêncio e a palavra que sempre dominamos,
aquela que tiramos do avesso do verso e a forçamos trocar de roupas
agora zomba da mudez comunicante.

Dispo a imagem sacralizada da canção
e de lágrimas doces diante de ti...
E a voz instaurada em teu ser soa
a lírica e banha as pedras dos pedaços de meu ser.

A alma é o canto de todos os poetas
que se mascaram nas rochas amargas
para ouvir a valsa de Chopin no firmamento.
Desse infinito minha alma deságua
a espera de cada detalhe de tua alma em mim.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

FÊNIX SEM VÉU

 

Não guardarei a palavra extraída
do Véu de Fênix
ou nascida do nada, do Eco e da clareza
de Narciso...
Nem de Eros forçado de gozo e finitude.


O que levarei eu do mundo?
Pressinto rasgar
o destino nas linhas
de meu lápis para afagar a eternidade
do olhar fragmentado.

E em cada minuto
de um verso enjaulado,
torto e incompleto,
os meus pedaços de alma renascem.

Do murmúrio seco e opaco
as cinzas de Fênix imaculada transfiguram em mim
nos cacos líricos da imagem passada.

Vesti o véu de Fênix sem lirismo
Despi cada palavra no gemido
do silêncio e veias comunicantes,
até que Eros viesse sangra a voz inconclusa.


terça-feira, 24 de agosto de 2010

O ERMO DOS SILÊNCIOS

As distâncias somam o ermo
de cada silêncio
entre o vago da alma e as fendas do ser.

Pelos vales secos
o cheiro áspero exala
aqui em íntegro sereno, na luz sagrada
do olhar mudo e umedecido,
até que nossas vozes silenciosas, enfim, se casassem.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

PROEZAS DO BECO

Entre o beco da alma
e o beco da esquina,
Madalena caminha pela rua,
como a coisa real por fora
da fachada do bar.

Entre o espírito de Madalena
e as águas que moveram Deus,
meu ser rasteja pelo infinito
sem desvendar o mistério
de minhas proezas,
ou dos cacos de mim espalhados
pelo sangue da cigana do véu.

Sei que meu ser não se abre para as reentrâncias
dos caminhos de Madalena apedrejada.
Cumpre-se a sina do beco e da alma
Pois entre mim, as pedras e o beco,
a distância do universo me infinitam.

Sou o espelho das prostitutas órfãs
que os anjos despiram no Éden.
Sou o desejo do esmago
e das crateras infindas de Jesus e Eros
na alcova da mendiga passante.

Entre o beco da esquina
e os pedaços de meu espírito,
a transfiguração da cigana e de Madalena sorri
para meu corpo definhado no retrato do passado.


sexta-feira, 23 de julho de 2010

REGA O VÉU DE TUAS ROSAS

(Ao amigo silencioso, Edelson Santana – Julho/2010).

  

Renuncio-te como se rasga
um véu de cada voz e sem a dor
de uma sangrenta perda.
Perder é um ganhar
de tua ausência dilacerada em mim.
Compreendo o avesso do silêncio
e ainda arranho a voz da tua alma.

Interrompi a música muda e asséptica
da epifânica nostalgia nossa.
É esta canção que em mim ficará
Aquela que o tempo mergulhou
no abandono imensurável.
Minha alma borbulhará ao compasso
de teus passos silenciosos e apressados
como as batidas da marcha de Safo por Anactória.

Renuncio-te como se rasga um véu...
Mas a renúncia é tua e minha será a remissão.
Vê-lo- ei em todas as noites
de clarão e no vago
de teu olhar que em mim ficou.
Acariciarei o descompasso
dos caminhos e espinhos que em teu peito cravei.
 
Segue teu destino e rega o véu de tuas rosas.
Meu jardim será regado pela memória eterna
de teu sorriso esmagado pelas folhas do tempo.
O meu tempo é a eternidade do minuto
como se fosse o retrato itabirano,
estático e mudo,
mas comunicável em mim.

 

sexta-feira, 18 de junho de 2010

DIA E ANO DA MORTE DE JOSÉ SARAMAGO

(Ao grande escritor português, José Saramago – 18/06/2010).

 

 

Um poema não deve nascer
das dores e nostalgia.
Sensibilidade é traiçoeira.
Mas eu chego em casa subitamente
após passar pelas folhas caídas
deste ambiente seco, tardio e isolado
de palavras.

Ouço as notas cruas do evangelho que anuncia
a morte de José Saramago.
Qual pássaro arrebatado pelas pedras
minha alma cresce e explode
mais que dez metros drummondianos.

A dor e a nostalgia invadem meu ser
que contempla a vida eterna
de Caim com doce gosto em meus olhos.
In Nomine Dei meu lirismo jamais se calaria
como não se calou pela morte de Ricardo Reis.

Ao abrir a porta de meu quarto negro
tropeço na luz fosca ensaiada pela cegueira,
acabo por não concluir o poema...
Faltaram-me as palavras a palo úmido
diante dos cacos de minha seca alma que hoje chorou.




sexta-feira, 4 de junho de 2010

Resenha/orelha do livro "Convergências e tessituras..." por Goiandira Camargo

Convergências e tessituras: Manoel de Barros, João Cabral de Melo Neto e Corsino Fortes, originalmente produzido como dissertação de mestrado, é um livro, que, como o próprio título aponta, nasceu da percepção de afinidades entre dois poetas brasileiros e um cabo-verdiano. Tendo a poesia de Melo Neto como foz para onde converge/diverge a poesia dos outros dois poetas, Rosidelma Fraga, com sua sensibilidade de crítica aliada a de poetisa, é leitora do que avulta além da superfície das palavras. Com seu olhar minucioso e investigativo sobre a obra de três grandes poetas, pôde perceber o que neles concorrem para uma poética intertextual. Nessa especulação de uma poesia na outra, é possível fulgurar, em um poeta da exuberância, de versos excedidos de significados, a centelha do cerebralismo cabralino. Barros ajusta a poesia enquanto pensamento antes que sobrevenha à palavra na voz e no papel. E, do outro lado do Atlântico, Fraga foi buscar Corsino Fortes, poeta que ergue a palavra poética da terra e tem nela bandeira de vida de seu povo. Fortes escuta as reentrâncias mais originárias dos dois poetas brasileiros e procura mobilizar em seus poemas a tensão dessa memória de leitura em meio ao que lhe oferece para cantar sua terra.
Fraga fundamenta as tessituras dessa poética com a lição de Antonio Candido: é preciso analisar como funcionam os elementos da comparação na obra dos autores. Dessa forma, além de temas, que convergem/divergem, a autora examina na obra dos poetas o sujeito lírico, o erotismo, a autorreferencialidade poética e os diálogos intertextuais. Tudo isso compõe o gestual poético, emblematizado nas imagens que, por sua vez, se enraizam na natureza, destituídas de peso pelo labor da criação, para ascender pela leveza que Italo Calvino asseverou como uma das qualidades da poesia, que está vindo a ser, desde as últimas décadas do século XX.
Pedras, rios, ilhas e ventos são imagens destituídas na linha do verso de uma geografia física para constituírem geografia de palavras, que solidarizam poetas tão diferentes e tão próximos. O livro que ora vem a público significa mais uma reafirmação da solidariedade que há na palavra poética, sempre generosa, sempre possível de estabelecer encontros. Por sua vez, essa é uma lição da vida, que a própria palavra poética nos ensina constantemente. É o que nos demonstra os trabalhos de literatura comparada, especialmente este de Rosidelma Fraga.

(Profª Drª.Goiandira de Fátima Ortiz de Camargo - Faculdade de Letras -Universidade Federal de Goiás)

segunda-feira, 31 de maio de 2010

ESTILHAÇOS LÍRICOS

Rasguei a palavra
das águas de Odisseus
e assisti à interdita aventura
da imagem divina em mim.

Há mais guerra lírica borbulhando
nas veias amargas de meu sangue
que a batalha de Aquiles, Enéias e Afrodite.

Mais fantasmagórico neste minuto
é a imagem de Bandarra na esquina sem saída
e as notas cruas do silêncio e abandono.

Palpita a sensação de meu rastejo
pelos caminhos de Tróia maldita.
Ouço apenas as notas da madrugada
e o eco das palavras nebulosas.

O chão negro e o barro são a colcha
de retalhos da Penélope que há em mim.

Termino no palco de Tebas
onde a multidão vem sentar-se
à minha mesa para o teatro
de meu ser em prantos líricos.