Por que escrevo?
Escrevo para não morrer.

(José Saramago)

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

DOIS ANJOS EM COPACABANA

DOIS ANJOS EM COPACABANA

(Um poema rabiscado nas ruas do Rio de Janeiro)

 

Na janela aberta da rua do ouvidor
Olho tua imagem metafórica...
Sinto-a tão intensa em mim.

Vejo cada instante na luz epifânica
de um olhar sem metafísicas
como se o verde da alma dançasse por dentro.

Pressinto um cheiro negro na chuva.
A flor está na rua escura e nela
a flor voa nua, suada e calma.
A rua é morta e dois anjos caminham
mudos e opacos em Copacabana.

Copacabana naquele instante fui eu querendo ser luz.

Soltei mil cambalhotas
Quando a imagem se aproximou.
Timidamente sensual – minha imagem se desfez
E saiu caminhando na luz do olhar.

Os pedaços da alma humana e o corpo
casaram-se na janela aberta da vida.
Nossas vozes silenciosas ecoaram
E as palavras soluçaram nas espumas na noite.

Eis que encontrei Drummond e Bandeira
A beijarem meu papel rabiscado de poesia.

sábado, 31 de outubro de 2009

AURA


Quando se está cansado da aura lírica
Não se sente a dor dos espinhos, na hora
que a morte bate à porta no fim do mundo.
A flor e a poesia não atraem a beleza de um pássaro
no fim de uma tarde envaidecida de catarse.

Quando se está cansado da aura lírica
O dia amanhece preso na noite disfarçada
da solidão de palavras muito gastas.

Mas quando o dia anoitece o coração
fenece, borbulha e palpita
pela castidade de um minuto com vírgulas
e sílabas incompletas de espera.
Uma esperança de poesia,
ainda que rápida como uma semifusa...
ainda como um a appogiatura sem pontos e compassos
com pressa dos ritmos a palo seco.

Quando o dia da minha morte chegar
Eu quero desvelar o véu de um poema sacro
Talvez tocarei suave no corpo suado da música
e da síncope regida por arlequins sem visão.
Esmagarei o avesso do olhar ébrio e taciturno
dos homens que amei em silêncio, a saber:
a) os bêbados sem lares e pesares;
b) os transeuntes e nômades;
c) os envaidecidos de egos e desenganos;
d) os ciganos rejeitados pelas religiões;
e) os mendigos com ternura recôndita;
f) os esquecidos no banco de praça;
g) os hippies que a mim se identificam;
h) os darwinistas e ateus que rezaram atrás da porta;
i) Nietzsche que se converteu em silêncio...
j) os velhos que se tornaram crianças;
k) os poetas cuja alma não envelheceu;
l) até mesmo os amantes que nunca me despiram
e me fizeram engolir o sêmen da poesia que não escrevi.

Quando meu dia de morte chegar
Quero me redimir diante da prosa
E desvendar os olhos diante da poesia erótica...
A poesia inundou minha alma inteira.

No breve instante de respiração
Beberei o último gole de vinho afrodisíaco
Soltarei meus longos cabelos negros
Tirarei os sapatos na passarela sagrada
E Adeste Fidelis a Pavarotti dançarei.

Disfarçarei minha nudez na cortina do céu
E diante da pressa e da falta de roupão das palavras
Rabiscarei alguns poemas secos...
Gritarei na hora nona, a cor da aura procurada
Que nem Rimbaud e Drummond encontraram.

A folha branca e asséptica na porta do céu estará...
Certamente deixada a mim, por Cabral – ainda que ateu...
Porque Deus fez o homem à sua imagem
A imagem fez-se poesia na mão do arquiteto.
Eu tecerei a manhã e o dia seguinte
E beberei a absoluta poesia fora da asa.

Finalmente, quando a porta do universo se abrir,
Zombarei de todos os grandes poetas __ Drummond,
Cabral (o João), Murilo Mendes, Montale, Baudelaire,
Rimbaud, Manoel de Barros e outros tantos__
que jamais pintaram a poesia procurada:
Aquela grande poesia que enlaçarei nos olhos de Deus.
Deus é o verbo desaguando no meu último instante
O infinito deságua em mim e eu oceano.



















ALGEMAS


Enxugo o meu poema molhado
de labirintos proibidos e saudades
para consagrar a eterna renúncia.
A remissão de meus pecados castos
A virgindade das palavras defloradas
no meio da noite clara da embriaguez.

Derramo o castigo de mil anos de civilização
O vinho seco cortando a garganta dionisíaca
E as algemas da alma envoltas no cárcere...
Visto a escuridão de luz no teu sorriso oprimido,
no olhar camuflado de amarguras e desenganos.

Desmascaro a poesia que dissimula a vergonha
da nudez de meus sentimentos confessos e desnudos
A nudez do lençol sagrado e a remissão inexorável.

A morte veio, por fim, sangrar a alma no dia da aparição.
A ressurreição dos corpos no sepulcro bebeu
a minha dor dilacerada no fim da rua.
Vi o sorriso divino escondido nas rendas do véu sagrado
Desatei os laços negros dos olhos secos e cansados
Quebrei as algemas de muitas noites não dormidas
Na busca da completude de um olhar indizível...

Soltei os cabelos amarrados com a fita opaca de cetim
E meus pensamentos estiveram a vagar na ogiva da alma
Porque pensar é adoecer os olhos da poesia e do nada.