Por que escrevo?
Escrevo para não morrer.

(José Saramago)

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

DETRITOS

 

Eu queria neste instante poético
abrigar os cacos de mim e afagar
o abandono debaixo da ponte
qual retalho alinhavado.


Eu queria aparecer inerte
dos trapos das minhas dores.
Eu quisera afagar o menino no pôr-do-sol,
abrir as asas da andorinha recalcada
e nos detritos me encontrar.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

JANELA DAS ALMAS

Da janela quebrada de meu quarto
olho o mundo quebrado,
quadrado,
quadrilado,
quadriláteros,
torto e eu nada.


Na verdade minha alma é menor que o mundo.
Disfarçadamente escondo-me
em cada parte do vidro quadrado
e no lado avesso da escuridão.


A janela do mundo também não se abre
para o olhar patético da multidão que não se move.
Os homens se abraçam nas lacunas
de cada instante e dissimulada completude.


Quem sabe um dia o mundo acordará
com o barulho dos cacos de mim espalhados por aí...
E da janela de meu quarto aprenderá
que as almas esquecidas e tortas celestam.










terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

OLHAR ABSTRATO


Se acaso o menino
tocar a campainha,
pedir pão e chiclete
feito cão sem pele.

Se acaso a mulher
abrir a porta
e não disser nada...
Ficarei muda e inerte
da janela de meu beco
como Branca de Neve no espelho.

Se acaso ouvir os miseráveis
arrastarem à minha fonte
de água e sabão,
saltarei de asas para o ar
e darei as costas para o infinito.

Depois voltarei aqui na folha branca,
sentindo o olhar e o toque do menino.
Olharei da janela abstrata
a fome do mendigo qual cão sem palavras.
A minha alma sairá de mim aos prantos líricos
como alguém que perdeu a pessoa amada.