Por que escrevo?
Escrevo para não morrer.

(José Saramago)

quinta-feira, 14 de junho de 2012

PROCURA DO AMOR E SUAS ESPECULAÇÕES


(Para o Mestre dos bons poetas, Carlos Drummond de Andrade)

 

Não escrevas versos sobre amores banais
Não há certeza e nem glória perante o fugaz.
Na ânsia da procura, o amor é um abismo vazio,
que nunca se completa e nem se eterniza.
As junções efêmeras da carne, os acasos do ser:
Isso tudo nunca será amor, muito menos poesia.

Não construas amor com o corpo
O corpo é anatomia sem essência.

O Amor é o canto inaudível,
a maldição dos poetas.
Amor elide carne e pequenez
Ele esconde-se na alma sem alarde.

Por isso confundem-se amor e brevidade.
Mas o AMOR, esse buraco escuro e impenetrável,
é o que os poetas racionais nomearam:
o abraço da eternidade que não se toca.
Afinal, “o amor da humanidade é uma mentira”.

Porém, que sei eu dessas coisas,
se minha alma é o cântico negro,
o poço de lesões, a pedra e o nada?

Que saberei poetar sobre a palavra AMOR,
um substantivo ímpar e sem sinonímia?

Como pode uma criatura como eu
senão amar, se o amor, essa sede infinita,
é uma pedra que se disfarça ao rimar com FLOR?

Amor é o teatro e o palco dos poetas:
fingem tão bem e tão intensamente,
que chega ser amor o que deveras sente.

Mas o que sabem os poetas do mundo inteiro
senão dissimular e persuadir a quem se ama?
E o que saberei eu depois de ler a palavra AMOR
dançando no firmamento com um bilhete de luz?

“POESIA E AMOR SÃO DUAS PORTAS
SOMENTE OS POETAS TÊM A CHAVE.
SÓ A POESIA É PURA E VERDADEIRA
O RESTO É AUSÊNCIA E INCOMPLETUDE”.

domingo, 10 de junho de 2012

LAÇOS INQUEBRÁVEIS


Busco o capricho do estar em mim.
Por isso prantearei de ciúmes
se a ausência soltar os cabelos
e sair descalça sambando por aí.

Se ela esquecer o número da rua
ou andar nua a dançar e namorar.
Se ela ficar presa na porta do bar
e depois embriagar-se de sonhos.

Eis que temendo o inesperado do dia
Acorrento-a até sangrá-la em mim.
Sinto a certeza de que entre ela e eu,
há um laço virgem e inquebrável.

Afinal, entre a solidão e a falta,
sua colossal presença me soma.

 





sexta-feira, 8 de junho de 2012

A DEDICATÓRIA E SEUS GUARDADOS


Ao poeta Isaac Ramos, meu professor de Literatura.

 


Dedicar um poema, um romance, um quadro, uma peça musical ou qualquer outra composição artística a alguém tem sido um cerimonial desde a antiguidade, a exemplo das Odes de Safo para Anactória, podendo perdurar sempiternamente. Entretanto, poucos leitores veem na dedicatória uma expressão que comunica mais que o simples fato do registro numa obra de arte. Por esta razão e pelo chamado da palavra que habita em nossa alma de escravo feliz, abri a página branca para prosear sobre a dedicatória e seus guardados.
Dedicar uma obra a alguém significa guardar a pessoa com o apreço. E guardar tem vários sentidos para o poeta Antonio Cicero: “Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é, estar por ela ou ser por ela”. Em consequência, dedicar equivale ao ato de conservar sentimentos que se tornam históricos. Na dedicatória partilham-se sensações, paixões, gratidões, emoções que passam a ter características subjetivas intransferíveis e sui generis.
A dedicatória, quiçá, tenha muito mais sentido para quem a recebeu do que para quem redigiu. Receber uma dedicatória pode ser um motivo de louvor, admiração, adoração, respeito e gratidão. Significa ter deferência e fazer a diferença para alguém. O objeto dedicado, a matéria primorosa para o artista, passa a ter um valor assaz real para a pessoa homenageada, ainda que o autor nem tenha ciência dos caminhos que suas palavras tomaram.
No mar português, lembro-me de Fernando Pessoa e suas cartas endereçadas a Ofélia. Numa dessas cartas, Pessoa registrou a relevância de guardar uma palavra escrita que é tão especial quanto uma dedicatória. Assim o poeta escreveu: “Ophelinha, Não sei o que quer que lhe devolva – cartas ou que mais. Eu preferiria não lhe devolver nada, e conservar suas cartinhas como memória viva de um passado”. Conservar foi o verbo usado por Pessoa e tem a mesma acepção de guardar ou reter na memória de quem recebeu as cartinhas da amada.
Quando José Saramago dedicou A viagem do elefante a sua deusa Pilar Del Rio, certamente, para ele, o sentido de guardar era uma forma de gratidão, pois tal livro foi retomado graças a ela. Segundo o escritor português, Pilar esteve ao seu lado para recuperar a saúde e voltar ao projeto de escrita da história. Dedicar o livro a amada foi uma forma de dizer: “Você, meu amor, faz parte desta realização. Sem você eu não escreveria este livro”. E isso serve para todos os autores que dedicam obras artísticas a um ser precioso que vê o ato como uma celebração de maior patrimônio e, por tal atitude, a pessoa decide guardar, fitar, velar, vigiar ao ponto de reter o tempo e eternizar o objeto guardado. E não precisa ser um livro com cartão perfumado, pode ser uma simples lembrança do dia das mães, um vaso com as seguintes palavras: “Ofereço à melhor mãe do mundo”. Toda mãe guardará essa singela lembrança numa estante como se fosse melhor que um quadro pintado por Leonardo da Vinci.
Gonçalves Dias dedicou os versos do poema Ainda uma vez adeus a sua musa Ana Amélia e esse presente ficou na memória da literatura, pois nas páginas da obra estão gravadas a figura da mulher amada e o amor inatingível nas seguintes palavras: “Enfim te vejo, enfim posso curvado a teus pés dizer-te, que não cessei de querer-te”.
Não tão diferente de Vinícius de Moraes, outro admirador das mulheres, Castro Alves, segundo Jorge Amado, em ABC de Castro Alves, escreveu obras poéticas tão imensamente banhadas pela dedicatória amorosa. Só para citar os três de seus amores: Eugênia, Idalina e Leonídia Fraga. Ainda hoje, as dedicatórias não perderam os valores românticos e afetivos por conta da intensidade do verbo guardar. Para Eugênia, Castro Alves dedicou os versos: “Fiz de meus versos a púrpura escarlate/Por onde ela pisasse em marcha triunfal”. Ao final de sua vida carregada de sensibilidade, o poeta condoreiro consagrou versos às mulheres que amou: “Mulheres que eu amei. Anjos louros do céu! Virgens serenas! Madonas, Querubins ou Madalenas! Surgi! Aparecei!”. O sentimento do amor perdurou e não envelheceu na ação de guardar, tornando a atitude romântica uma forma legítima de que dedicar algo a uma pessoa significa provar que a amamos ou que tenhamos estima especial por ela.
Charles Baudelaire, depois de ter apaixonado pela mulata Jeanne Duval, com quem viveu uma paixão arrebatadora, abominada pela mãe, dedicou a tal paixão o ciclo de poemas "Vênus Negra” que, a rigor, ficou armazenado na história de vida do poeta de Flores do mal.
Seja romântico ou moderno, dedicar é homenagear, não necessariamente a uma parceira amada, tendo em vista que João Cabral de Melo Neto confeccionou vários poemas a Joaquim Cardozo, celebrando tributos a um poeta com quem soube aprender no que diz respeito aos poemas para vozes, poemas sobre o Recife e daqueles considerados de linhagem lírica a palo seco.
Manoel de Barros dedicou poemas a Bernardo da Mata e esse figurará para sempre em sua poesia lírica e na memória do leitor. Logo, para Manoel, dedicar é esmiuçar, transver, fazer com que uma pessoa desimportante transluza ao ponto de torná-la mais célebre que um pássaro pousando no mais alto rochedo.
É assim que louvo a dedicatória, como um ato de solenizar, guardar, celebrar, agradecer, lembrar e reconhecer. Conforme escrito alhures, a dedicatória passa a ter muito mais importância para quem a recebeu do que para quem escreveu. Lembro-me de que, em 2001, escrevi um poema em homenagem a um poeta querido, assim como já escrevi para muitos e nem sei o destino  e os maus julgamentos que fizeram deles. Acidentalmente, o poema desapareceu da memória de meu computador. Eis que, comentei o incidente com o poeta e ele, salvo pela tecnologia, me enviou o poema por e-mail, em 2008, pois estava guardado a sete chaves. A ação da pessoa que guardou o poema emocionou-me muito, uma vez que eu não sabia do real valor de minhas palavras a quem os versos foram tributados. E veja que nem foi para um namorado e nem um poema romântico. Foi simplesmente uma singela homenagem ao melhor professor de literatura que encontrei durante a minha licenciatura. Resgato o poema como se o passado fosse agora, a fim de arquivá-lo em sua essência, ainda que, se não fosse pelo ato de celebração intransferível, eu reescreveria os versos, reorganizando a pontuação e cortando palavras, já que o grande mestre dos poetas me ensinou que “escrever é como catar feijão e devo jogar fora os grãos que boiar”. Porém, em decorrência do valor de guardar a coisa e vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, segue o poema ipsis litteris, certa vez dedicado, uma vez guardado:


Um mestre indígena

Era um índio com olhos mui negros
Cujos cabelos são como a tinta do carvão.
Não era índio Mestre, índio em terra alheia
Muito mais dono que o criador.
Índio sábio! Audaz como pássaro preto
Que chega subitamente e domina
os traiçoeiros!
Índio que me ensinou a ler versos
sem ter nada escrito.
Não... não precisa expor as vergonhas saradas
Para revelar os mistérios de um poema!
Basta a nudez de teu olhar espiral...
Um sinal no sorriso.
É preciso amar símbolos e gostar de ser índio.
Índio sem barulho, sem ventos e sem matas...
Mas índio, Isaac, deve ter sangue na pena
E nas palavras selvando as plumas do poema.


segunda-feira, 4 de junho de 2012

PROCURA-SE UM POETA

Um poema teima em nascer,
bate à janela de minhas mãos
e insiste em ser poesia.

Converso mentalmente com o verbo
Digo que não quero verso de mesmice...

Quero antes um verso capaz de aniquilar
o corpo fônico da palavra a-u-s-ê-n-c-i-a.

Quero mesmo ouvir a canção do poeta
Que me faça versos sem respiração
E sem pontos e rimas na garganta.

Quero um poeta vestido de silêncio
Para namorar meu desejo de palavras.

Quero um poeta para ler minhas veias
E esconder meus pés no grão da areia.

Quero um poeta para pintar um amor
no útero transparente das cascatas
e vivermos um minuto eterno nas galáxias.