Por que escrevo?
Escrevo para não morrer.

(José Saramago)

domingo, 30 de novembro de 2008

METAMORFOSES








Escrever nem uma coisa nem outra é um poema
Reescrever o avesso da palavra antes de ser poema é poesia
Poesia é quando a palavra tira a roupa e esquece a algema.
Poema é a chave para abrir a porta do poético
O que é poético?
Poético pode ser uma borboleta vestida de sol no inverno
Uma barata asmática cheirando neve.
Poético é o estado da poesia antes da metamorfose.
Metamorfose é a poesia que o poeta esconde dentro do lápis
Que só chegará ao estado nascente quando a imagem vomitar
[a palavra.
O resto é tédio sem contemplação do sublime.
01/12/2008.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

MADALENA!

Madalena!
Atiraram-me as pedras
pedras letárgicas
pedras tensas
pedra sobre pedra.

Não edificaram-me
até que as pedras esmagassem
meu rosto opaco, sem vida e sem roupão.

Gritaram todos na rua:
“Madalena, a prostituta vai à rua!”
Quem ao menos olhou a áurea no avesso da minha alma?
Viram-me somente como a mulher no meio da rua
A mulher que passa,
passa...
passa e o mundo apático sorri.

Queria ser a estrela da manhã
Nem que fosse ao Sacristão de Bandeira,
aos mendigos e ciganos.
Aceito por fim o destino
Madalena apedrejada, sem fé, sem amor.
Até a utopia zomba de meu tédio no meio da rua.

Caída e abandona Madalena dorme no oásis.
Cada pedra é o retrato de meu rosto esquecido
pedra que não se edifica
pedra sólida
pedra de memória
pedra rolada
pedra de crateras.

Madalena sorri, Madalena chora.
Madalena se exila do mundo.
As pedras perduraram e Madalena permanece como o eco das palavras:
Madalena lena Mada Mada lena lena lena....
Ma MADALENA
Da ena
Le lena
na... lena
lena... Madalena
ena

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

DESPALAVRA

Um poema é um vazio de letras
A poesia é uma ilha de metáforas
cercada pela infinitude de faces secretas.

Não encontre a poesia no afã do sentido.
Ainda que pareça claridade
O avesso de cada verso ainda não é poesia.

É preciso ouvir a palavra em estado nascente
A palavra antes de ser palavra, despalavra!

Poesia é o silêncio que ainda não tem voz.
É como se as borboletas ainda fossem lagartas.
Ou baratas que ainda não se tornaram água.
Poesia é estado de busca e metamorfose
Poesia sou eu aqui querendo me ser.

ROSIDELMA FRAGA.
(poema escrito em um minuto e 4 segundos,
depois arrumo se a vida permitir!)

domingo, 23 de novembro de 2008

UM MESTRE INDÍGENA







(ao poeta Isaac Ramos
com a minha devoção!)

Era um índio com olhos mui negros
Cujos cabelos são como a tinta do carvão.
Não era índio da selva... nem das tabas
Nem da Epístola de Caminha.
Era índio Mestre! Índio em terra alheia
Muito mais dono que o criador.
Índio sábio! Audaz como pássaro preto
Que chega subitamente e domina
Os traiçoeiros!
Índio que me ensinou a ler versos
Sem ter nada escrito.
Não... não precisa expor as vergonhas saradas
Para revelar os mistérios de um poema!
Basta a nudez de teu olhar espiral...
Um sinal no sorriso.
É preciso amar símbolos e gostar de ser índio.
Índio sem barulho, sem ventos e sem matas...
Mas índio, Isaac, deve ter sangue na pena
Nas palavras selvando as plumas do poema.

ROSIDELMA FRAGA.

NOTA: este poema "um mestre indígena" foi escrito
em setembro de 2001 em homenagem ao meu professor
de literatura, quando eu terminava a graduação
em letras na UNEMAT.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

METADES DE MIM...










Metade de mim é tristeza
Metade de mim é vazio
A outra parte não sei explicar.

Metade de mim tem sede de palavras
E a outra metade quer rasgar a poesia.
Metade de mim é esquecimento
A outra metade é somente saudade
dos minutos eternos que sempre esperei.

Metade de mim é a metade que falta...
Metade é a busca de completude
E a outra metade é narcisismo e epifania.

Metade de mim é Ícaro: a outra metade é Dioniso.
Metade de mim é comédia
E a outra metade é somente tragédia.
Metade de mim é katharsis sem piedade.

Metade sou eu desaguando na valsa fúnebre do piano
E a outra metade sou eu aqui em mil pedaços.
Metade de mim é o nada, o lixo e o luxo.
Metade é a minha poesia debruçada no dicionário
A espera de cada verso que ainda não escrevi.

ROSIDELMA FRAGA - 22/11/08

PALAVRAS DE AMOR...


















(Leiam o poema Fragmentos
de um discurso amoroso, postado
em maio de 2009.)

UM POEMA POR ACASO







Não me peças um poema forçado:
o que não sai das mãos do poeta
fere-o como o animal leopardo.

Contudo que a doçura de tua súplica
por minhas palavras traga minha pena...
O olhar inquieto embriaga a minha vontade epifânica
de eternizá-lo nesta página branca e fria.

Eis a obra e o sagrado.
Encontro-o tal como dissimulo:
Tenho-o em pedacinhos
Com a barba liricamente grisalha
Com o rosto opaco e triste pelo tempo.
Resta-me o destino cratofânico:
Casar palavras minhas com a imagem tua
Amassadas em meus pensamentos e erotizadas
como se fossem mil delírios na noite sombria.
ROSIDELMA FRAGA

domingo, 9 de novembro de 2008

PÁGINAS DE MIM...









Um poeta e um mendigo
qual ser isolado sou eu aqui neste livro.
Sou a página rasgada em mil pedaços,
a folha seca,a colcha de Penélope.
Sou eu quem deságuo no oceano
de palavras adoecidas de mim.
Palavras que se decompõem,
tão somente se debruçam friamente
nas mãos envelhecidas que não afagam o poema.

Sou o destino das horas paradas,
os minutos agonizantes do relógio
em meio ao ermo das ilhas e pedras.
As pedras da vida deixaram meu rosto apagado.
Eu não tinha ontem este rosto triste
Tinha apenas a garrafa de vinho tinto,
a poesia e a música fúnebre em meus pensamentos.
Agora eu fico sozinha com a poesia
adormecida e sem nada dizer.

Rosidelma Fraga-


MINUTOS (Tragédia diária)






...
...
...
...
...
A vida passa muito rápida
Eu tenho pouco tempo
Temo que o mundo acabe em um minuto.
Registro o meu olhar nas passagens
Não preparo rimas e nem ritmos: escrevo.
Não me preocupo em rimar sono com abandono.
Sinto que uma criança dorme na rua
Um bêbado quebra a garrafa no asfalto
O guarda passa e expulsa-o da praça.
Ninguém não faz nada.


A vida passa muito rápida
As pessoas vivem na pura agitação
Eu tenho tido pouco tempo ultimamente.
Um velho anda sozinho na esquina
Um menino vende balas no farol
Uma mulher declama Drummond no viaduto
Um homem abandonado salta na Marginal Tietê
Uma prostituta de 15 anos pede carteira assinada
O mundo inteiro está apático e não sente nada.

A vida passa muito rápida
Eu tenho menos tempo agora.
Um mendigo sobe e desce Copacabana
E pede esmola e o povo resmunga
Um menino foge da escola e cheira cola
Uma mulher joga a criança no rio
E vira sessão de audiência e amnésia na TV.

Eu quase não tenho mais um minuto de tempo
Ninguém não tem tempo: não faz nada
Ninguém reage? Eu sozinha. A palavra
adormece no papel amassado no lixo
E a imagem da poesia permanece aqui comigo
Bem dentro de meu olhar com marcas de passagem.