Desassossega-me bastante o
assunto acerca dos trâmites das publicações em periódicos eletrônicos e
impressos no Brasil. Por algum tempo, venho dialogando com parceiros da
mesma área e o que mais tenho analisado nos últimos anos é uma postura
muito similar a falta de ética e transparência. Tempos atrás,
privilegiou-se a qualidade de uma pesquisa científica acoplada a sua
contribuição para uma área específica ou afim.
A CAPES, responsável pela
avaliação dos periódicos indexados no país, realiza anualmente uma
coleta de dados das revistas eletrônicas e impressas com ISSN, a partir
de estratos indicativos da qualidade - A1, sendo o mais elevado; A2; B1;
B2; B3; B4; B5; C - com peso zero. Há critérios previamente deliberados
para que um periódico receba tais conceitos. A partir deles, são
avaliadas as produções dos corpos docente e discente dos Programas de
Pós-Graduação no país. A propósito, os conceitos de periódicos também
estão tornando-se requisitos para pontuações nas provas de títulos em
concursos públicos para professor. Algumas universidades pontuam artigos
somente até Qualis B2. Um ponto de reflexão para os autores que
entendem que o volume em currículos na Plataforma Lattes significa qualidade.
Lamentavelmente,
parece-me que a seleção de alguns periódicos se direciona mais à
preocupação com o conceito Qualis Capes do que à pesquisa em questão.
Não obstante, isso constitui um paradoxo, pois se a qualidade dos
trabalhos publicados é um dos quesitos da avaliação, é evidente que se
leve em consideração a relevância do texto e a sua contribuição para as
áreas específicas e afins dos periódicos e não a titularidade do
pesquisador. E por conta dos critérios dos conceitos Qualis que são mal
interpretados pelos editores, a publicação com maior número de doutores
ou pós-doutores tem sido uma forte estratégia utilizada por muitos
periódicos, a fim de atrair o melhor conceito na avaliação e ganhar
maior visibilidade na divulgação da pesquisa. Mas tal preferência tem
gerado inúmeras negligências, ecoando falta de ética.
Sob esse prisma, muitos
não atentam para o quesito de uma revista não endógena, esta entendida
como aquela que abarca edição de maior número de pesquisadores de
instituições externas, considerando que a comissão editorial não tenha
privilégio para publicação de seus artigos e, se assim proceder, que o
percentual não exceda os 30%. Eu, particularmente, recuso-me a publicar
um artigo em periódico que eu faça parte da comissão, por compreender
que seja antiético. É óbvio que minha opinião será mais uma entre poucas
aplaudidas, pois há certos pesquisadores acomodados que ficam anos sem
produzir e publicar sequer em Anais de Congressos, sendo muito mais
fácil ter uma publicação garantida por grupos de colegas do que fazer
uma pesquisa séria a ser julgada sem identificação de autoria ou do
título antes do nome. Penso que se o trabalho tem um perfil relevante e
atende às normas e escopo de um periódico conceituado e transparente,
dificilmente será recusado. No mínimo, será aprovado com sugestões de
ressalvas. E sendo assim, não há necessidade de publicar somente na casa
do pesquisador, isto é, na instituição e revista que ele esteja
vinculado.
Efetivamente, o que se
percebe em muitos periódicos é a fresta de um espaço exclusivo. A
revista abre a chamada pública de falácia, mas paulatinamente edita os
textos somente dos professores envolvidos na seleção. Melhor dizendo, um
colega avalia o trabalho do outro colega, ou de um mesmo grupo de
pesquisa e nem sempre a avaliação é cega (há o conhecimento prévio do
autor do texto). E se o processo de seleção ocorre dessa forma, por que
na apresentação de algumas revistas consta que o periódico é de
divulgação de âmbito nacional e internacional? O nacional restringe-se
ao local ou a um campus universitário? A sugestão é que o editor, sendo
no mínimo inteligente, descreva que o periódico coordenado se refere à
circulação nacional, mas a publicação é regional, limitando a edição de
trabalhos aos professores e alunos da referida instituição. E se tiver
espaço somente para pesquisador convidado, que isso esteja expresso nas
normas para evitar que “ingênuos” enviem textos e fiquem aguardando em
vão. Explico de outra forma. Se o periódico tem 70 % de artigos dos
professores e alunos do Programa de Pós-Graduação ao qual a revista se
vincula e 30 % destina-se a convidados, não há necessidade de enviar
chamada de publicação para outros Programas de Pós-Graduação ou colocar
nas normas que o periódico é aberto a colaboradores de outras
instituições para tentar enganar a equipe de avaliação no quesito
Qualis.
Observo ainda que se um
pesquisador for rigorosamente ético, ao receber um artigo de orientando,
obviamente, se recusará a avaliar o mesmo para desviar-se da leitura
subjetiva e parcial. Contudo, cada um tem seu modo de ver e julgar. Eu
considero indecorosa a postura de conhecimento prévio do autor e ainda
as afinidades e amizades acadêmicas, assim como abomino que
pesquisadores com vínculos sociais e afetivos com candidatos não devam
compor banca de concurso público, mas com essa opinião, eu afronto muita
gente que já foi beneficiada por todo o Brasil e brasis afora. A
sensação que muita gente tem é a de que há uma “bola de neve” nesse
emaranhado escuro e nebuloso. É um favor em troca de favores que, de
fato, causa muita “náusea sem a flor no asfalto”, diria meu amigo
Drummond. Ou assemelha-se com a canção parodística cabralina: “João
ajudava Maria que indicou José que levou Tomé e todos foram felizes para
sempre”. Há quem pense que “cachoeiras” existam apenas no Congresso
Nacional e em Goiás. Na educação, essas coisas funcionam muito como
camuflagem de artrópodes verdes em folhas de mesma cor ou ficam para o
plano da intersubjetividade, até que quem sabe um dia o Ministério
Público investigue e tome as providências legais.
Voltando ao periódico,
abro outro parágrafo só para aguçar a reflexão e sugerir aos mestrandos e
doutorandos que façam uma pesquisa prévia antes de enviarem textos para
certos periódicos e se passarem por “idiotas em beira de estrada”.
Observem que na CAPES e nem nos periódicos não têm as informações de
experiências aqui relatadas. Eu recomendo sempre abrir a página do
periódico e verificar os nomes dos pesquisadores envolvidos no processo.
Em seguida, examinem os sumários. Se neles forem constatados que mais
da metade das publicações se trata dos avaliadores, efetivamente, os
autores não deverão enviar artigo para avaliação, mesmo que seus
trabalhos atendam a 100% da proposta e normas da revista. Esse tipo de
periódico, nem avaliará o texto e se o fizer, alguma desculpa o editor
inventará para recusar o texto.
Citando um exemplo real
sobre os comentários acima, remeti um artigo anos atrás para um dado
periódico e o editor respondeu com uma carta de recusa no corpo do
e-mail, dizendo que o artigo era muito teórico, sem mais, nem menos
comentários. A revista era Qualis B4. Não perdi nada. Como não tinha
nenhuma questão e não enviaram formulários com comentários dos
avaliadores e eu tinha certeza da relevância do trabalho, encaminhei o
mesmo texto para outro periódico Qualis A1, cuja avaliação era cega (sem
identificação do autor) e era vedada a publicação dos editores e dos
membros do conselho editorial. Resultado: meu artigo foi aprovado por
unanimidade e sem ressalvas. Creio que o ganho foi melhor, uma vez que
além de a revista ser Qualis A1 (impressa e eletrônica), meu artigo foi
avaliado por uma grande especialista que depois do texto publicado
estabeleceu contato comigo. Ao passo que a outra revista de Qualis B4,
sem argumentos, depois publicou seu número com textos dos próprios
autores do corpo editorial e de seus orientandos e, por esta e outras
razões, continuou com o mesmo conceito (B4), conforme comprovei no
WebQualis. Não preciso dizer mais nada. Para um bom leitor, uma vírgula
equivale a um parágrafo.
Pior ainda, meus caros
colegas, é aguardar por um texto durante oito meses (quase um parto) e
em seguida o editor “cara de pau” enviar um e-mail, dizendo que a equipe
altamente capacitada inferiu que o texto, apesar do rigor teórico,
analítico e temático, não pode ser publicado porque o periódico prioriza
a publicação de professor com título de doutor ou que tenha vínculos
com Programas de Pós-Graduação. Tudo bem que este dado possa até ser um
critério, desde que esteja promulgado nas normas de publicação. E mesmo
que a exigência pelo título esteja expressa anteriormente nas normas,
deveria pensar duas vezes ao publicar um texto pelo simples fator título
antes do nome, posto que, por um lado, no Brasil existem mestres com
trabalhos relevantes enquanto, por outro lado, há artigos e ensaios de
doutores que pecam nos quesitos qualidade e inovação.
Por assim dizer, creio
que, para a publicação de trabalhos de doutores por si só, a
inalterabilidade deveria ser um critério de exclusão, ainda que seja de
um pós-doutor, porque o leitor menos assíduo consegue perceber que há
pesquisador doutor que passa duas décadas em “Ctrl C, Ctrl V”, isto é,
recorta-se, revisita-se, repagina-se e reedita-se, a fim de não dizer ao
leitor, “isso aqui é a mesmice de 1990”. E se não fosse assim, não
teriam vários periódicos somente com publicação de doutor com conceito
B4 e até mesmo com um conceito C (irrelevante, peso zero) atribuídos
pela comissão da CAPES. Cito um exemplo valioso, argumentativo e
consistente. Se não houvesse trabalho de Mestres com qualidade
igualmente ao de doutores neste país, a Revista Terra Roxa e Outras Terras,
da UEL, a qual sempre foi Qualis A1 e A2, com avaliadores extremamente
sérios e respeitados, não publicaria trabalhos de Mestres. Estou citando
o nome do periódico porque a minha recepção sobre esta revista é assaz
positiva e foi um dos veículos de divulgação científica mais
transparente que conheci nestes breves anos de estudos. Vale a pena
enviar o texto para tal periódico. Se o texto não for aprovado, o
pesquisador terá a resposta dos comentários feitos pelos pares de
avaliadores, sem saber quem avaliou o artigo, de forma respeitosa e
ética e dentro do cronograma estipulado pelo editor da revista. Tal
exemplo pode ser útil na assertiva, a saber: importa muito mais avaliar o
texto e sua contribuição para o campo da pesquisa e nunca um título
antes de ler o texto. A atitude contrária de certos editores fica muito
próxima daqueles professores irresponsáveis que exigem que seus alunos
produzam textos e posteriormente não os devolvem, atribuindo notas
aleatórias, favorecendo a aquisição de diplomas de Graduação e
Pós-Graduação, muitas vezes, indevidos. E isso não é novidade. Todo
mundo sabe que há muitos professores doutores que assim procedem e são
sempre queridos e maravilhosos, nem preciso citar nomes por conta da
ética na profissão. A carapuça não rasga para entrar na pessoa certa.
Cito ainda outro exemplo com periódico, mas agora internacional. Mandei um artigo para a Revista Veredas
(da Associação Internacional de Lusitanistas) e o editor restituiu
eticamente os dois formulários dos avaliadores que teceram considerações
valiosas, seguidas de sugestões bibliográficas para que eu
providenciasse as ressalvas e pudesse publicar o artigo. A revista tem
Qualis A1, mas não se trata apenas do conceito. Eu senti imensamente
respeitada pela equipe editorial, mas acabei não reenviando o texto por
estar assoberbada de atividades na época. Relembro-me de que indaguei o
fato de eu não ter o título de doutora e a revista me respondeu,
enfatizando que a equipe avalia o texto e esta questão era apenas um
detalhe irrelevante que o avaliador nem tomava conhecimento. Por conta
da transparência do processo de seleção, da ética e qualidade dos
trabalhos que vão além de um conceito Qualis Capes, recomendo a Revista Veredas
(da AIL) a quem interessar possa. E não poderia ser diferente, pois
somente para citar alguns nomes que integram a equipe de redação: a
respeitada Professora e Acadêmica Cleonice Berardinelli (especialista em
Camões e Fernando Pessoa), Francisco Bethencourt, Herder Macedo, Laura
Cavalvanti Padilha, Regina Zilberman, Isabel Pires de Lima, dentre
outros pesquisadores honrados que não seriam parceiros se a revista não
seguisse um padrão de ética e qualidade.
Por defender tais
considerações, destaco que o predicado e a relevância de uma pesquisa
não deveriam ser avaliados a partir de um diploma conferido ao grau
exclusivamente de doutor. Todo mundo sabe que ser doutor neste país de
corrupção e mentira não é coisa de outro mundo. E título por título,
qualquer um pode ter. Até porque
reprovar um doutorando em defesa não seria muito conveniente para uma
instituição que para abrir um mestrado e doutorado move céus e
arranha-céus, sem contar numa série de questões que prefiro não tocar, a
fim de não ofender a moral dos pesquisadores íntegros que ainda existem
no Brasil.
Eu tenho consciência de
que os contra que chegarem a ler esse texto acidentalmente, sem dúvida,
julgar-me-ão como uma pessoa intolerável. Todavia, creio que nem todo
mundo foi banhado pela falta de ética profissional. Rememoro outro
episódio científico. Escrevi um artigo que não tinha relação com a minha
pesquisa. Era um texto que escrevi sozinha. Uma das avaliadoras
escreveu-me assegurando que leu o texto e que seria muito interessante
para a revista tê-lo no próximo número, mas que para isso, eu deveria
inserir o nome de um doutor de minha escolha ou poderia ser o
orientador, já que a revista publicava somente trabalho de doutor. Não
se mencionava a referida exigência nas normas do periódico. No mesmo
dia, respondi ao editor, solicitando a retirada do texto em virtude de
não concordar com parceria que não tenha sido alicerçada a quatro mãos.
Indignada mais uma vez, reenviei o artigo para outro periódico sério de
Londrina chamado Estação Literária
(UEL), o qual aprovou meu trabalho por unanimidade nas avaliações. E
mais uma vez, destaco que tal periódico tem um Qualis muito mais
significativo, recomendado pela CAPES, ao contrário daquela que só
publicava de doutores e está com Qualis B4 até hoje. Não é questão para
editores de periódicos colocarem em pauta?
Outro ponto duvidoso que
tenho observado se refere aos periódicos que lançam a chamada de
publicação e ficam com os trabalhos mais que o prazo proposto no
cronograma. Em seguida, percebe-se que o editor ineficaz não conseguiu
ser organizado com o corpo editorial permanente e parecerista ad hoc,
e por tais razões, envia e-mails com o nome de todos os autores, cujos
textos foram recusados e, duvidosamente, não avaliados, já que nem
sempre consegue reunir os formulários de avaliação para os proponentes.
Em certos casos, os autores ficam sabendo a quatro ventos sobre os
textos não aprovados por conta do envio dos e-mails coletivos e não
individuais. Pergunto então, o título de doutor não foi suficiente para
aprender o conceito de ética que se pode adquirir em qualquer
Pré-escola? Prezando as questões amplas sobre ética e transparência na
academia, creio eu que o envio da aprovação ou reprovação de um artigo
deve ter caráter sigiloso, inclusive dos nomes dos avaliadores.
A partir dessas
observações e experiências vivenciadas por mim e por alguns colegas de
profissão, eu tive a curiosidade de buscar informações disponíveis no
portal da CAPES e constatei que o nome da instituição ou Programa de
Pós-Graduação não justifica nada. Têm muitos periódicos científicos
vinculados a centros de excelência com ética indecorosa e se fossem 100
por cento, teriam Qualis melhor do que o conceito em vigor (atualização
de 2012). Nem sempre ter uma publicação com nome de instituição que se
diz de renome equivale à pertinência de pesquisa.
Entre rosas e espinhos, eu decidi que se torna mais interessante
não publicar do que sair ali e acolá, convidando doutores para justapor
nomes em trabalho científico. Coautoria é um assunto sério e os
pesquisadores de instituições deveriam ser mais éticos nesse processo e
na lisura da avaliação. Não dá para vender cérebro e noites de sono
somente para ter artigo publicado em revistas que concordam com esse
posicionamento ridículo na divulgação de pesquisa acadêmica. E não dá
para emprestar nomes sem conhecer a qualidade de um texto ou participar
de sua construção. A coautoria deve ser considerada somente em casos em
que orientando e orientador escreveram juntos, ou fizeram parte de mesmo
projeto de pesquisa em certa disciplina ou grupos de estudos
cadastrados na instituição ou apoiados pela CAPES, CNPq e outras
agências de fomento à pesquisa.
Ademais, afirmo que um
autor comprometido com sua área não escreve somente sobre seu objeto de
pesquisa (que é o meu caso), devendo ter autonomia e identidade próprias
e não sair caminhando na sombra do orientador ou de um colega de
profissão. Estou dizendo isso porque esta semana recebi uma avaliação
negativa somente pelo fato de ainda não ser doutora e não ter colocado o
nome do orientador. Segundo um dos editores, a revista teria o maior
prazer e abertura para publicar um artigo que redigi sobre um escritor
do Piauí que não tem nenhuma ligação com a minha pesquisa de doutorado,
muito menos com os projetos de minha estimável orientadora. Para que a
publicação acontecesse, na exigência da revista, eu deveria colocar o
nome de um doutor no trabalho. Por que não colocam isso no escopo da
revista para a CAPES avaliar? Claro que não. Este contato geralmente é
feito via e-mail, da maneira mais informal e negligente, a fim de não
comprometer a camuflada idoneidade, seriedade, ética e transparência do
editor.
Em
linhas finais, deixo claro que não vendo a minha alma e muito menos
dividiria um texto acadêmico sem a devida entrega do leitor ou
contribuição do coautor, assim como não emprestarei meu nome de futura
doutora e orientadora sem ter participado de um trabalho com corpo e
alma. Ou respeitam o meu trabalho como estudiosa íntegra que sempre fui
ou prefiro guardar o que escrevo para uma oportunidade que realmente
valha a pena em termos de integridade social e moral. Sendo sempre
áspera em meus argumentos, escrevo, dato e assino, sem medo de pecar em
pensamento ou de não herdar o paraíso na academia. Neste último caso,
vou-me embora pra Pasárgada e lá terei uma vida muito mais feliz e
honrada.