Por que escrevo?
Escrevo para não morrer.

(José Saramago)

quinta-feira, 29 de março de 2012

AVISO PRÉVIO DA AUSÊNCIA

Na folha molhada
da palavra em branco,
eu rabisco um aviso prévio.

Faço malabarismo de risos
não porque desnudei a solidão,
mas por estar previamente
sozinha.
E diante da folha lírica,
vislumbro uma aguda
completude no silêncio.
Pois a ausência,
(minha doce namorada)
saiu por um instante.
Ela estava acorrentada por mim,
mas voltará adornada de ternuras.

E eu deixarei de ouvir
as notas do abandono
que em mim sempre deságua.
Uma vez que
entre o vazio e o nada,
a escuridão e a luz,
o silêncio me transcende.




terça-feira, 20 de março de 2012

RÉQUIEM

Cada vez que abro um livro de poemas
Não sei se voltarei a afagá-los
Pode ser que seja meu último instante.

Quando a morte me tocar
Eu não sei que hora ela chegará
Se ela virá toda branca ou toda negra.
A morte não escolhe a cor da pele.
Não sei se ela se curvará diante de mim
Ou se estará nua e de pés no chão.
Não sei se estarei no barro e sem poesia.

Cada vez que escrevo um verso
Pode ser que esteja quase no fim
E pode ser que o poema
vista a roupa com alinhavos.
Disso eu tenho medo imensurável.

Eu nunca temi a morte
Mas o inacabado das coisas
O beijo nunca dado
O abraço que deixei de dar
O perdão que deixei de suplicar
A declaração de amor que ontem guardei
no bolso da blusa preta de cetim.

Que venha a morte galante
No dia que a trombeta tocar.
Que ela seja dócil e espere-me um minuto.
Quero dar o último gole de palavras
Vestir a nudez de minha alma opaca
Ouvir o Réquiem de Mozart
E tocar na flor indesejada do jardim.
O segredo das coisas sensíveis
reina além do avesso invisível.
Já na brevidade do último segundo
Quero embriagar de amores
Grafar a minha história
numa pedra qualquer da esquina
e me esculpir nos versos
de uma silenciosa eternidade.

quarta-feira, 14 de março de 2012

DIA DA POESIA

Dia da poesia serve para:

a)Tocar no gemido casto de sua pele;
b) Amassar o êxtase do verbo;
c) Dissecar a virgindade do verso;
d) Sugar as metáforas da sílaba;
e) Gozar no clitóris das palavras;
f) Fecundar o corpo da letra;
g) Para depois acordar suada
E beber o sêmen do poema
Que inda espera ser escrito.

domingo, 11 de março de 2012

CESTA DE POESIA

A cigana saiu chorando
De lenço vermelho
Com cesta de poesia
E se pôs a gritar.

Vende-se poesia
Quem quer comprar?
Poesia está suja
Caiu na lama
Soltou aroma.

Vende-se poesia
Verso de nostalgia
Recheado de cetim.

Vende-se poesia
Verso de vinho tinto
Coberto de solidão.

O bêbado pergunta:
“Que negócio é esse?
Me dá um copo?”


Vende-se poesia
Poesia é pão do dia
É resto de ausência
É torrada de abandono.

O bêbado resmunga:
Poesia é sede
Eu sou a fonte
Come-se com farinha?




segunda-feira, 5 de março de 2012

NIILISMO

(Para Ricardo Reis)

 

Não sirvo para a poesia
Nem mesmo para ser poeta.
Não sou grande
Nem sou inteira.
Não tenho inspiração nobre
Não sou ilustre e nem sou gênio.
A poesia nasce para quem saiu
um dia como forasteiro a conquistá-la.

O que existe de nobre em mim
é a grandeza das coisas pequenas,
a realeza dos amores perdidos,
a suavidade de estar sozinha,
e a sensação de tocar o impossível.
Essa canção já não pode ser poesia.