Por que escrevo?
Escrevo para não morrer.

(José Saramago)

sexta-feira, 18 de junho de 2010

DIA E ANO DA MORTE DE JOSÉ SARAMAGO

(Ao grande escritor português, José Saramago – 18/06/2010).

 

 

Um poema não deve nascer
das dores e nostalgia.
Sensibilidade é traiçoeira.
Mas eu chego em casa subitamente
após passar pelas folhas caídas
deste ambiente seco, tardio e isolado
de palavras.

Ouço as notas cruas do evangelho que anuncia
a morte de José Saramago.
Qual pássaro arrebatado pelas pedras
minha alma cresce e explode
mais que dez metros drummondianos.

A dor e a nostalgia invadem meu ser
que contempla a vida eterna
de Caim com doce gosto em meus olhos.
In Nomine Dei meu lirismo jamais se calaria
como não se calou pela morte de Ricardo Reis.

Ao abrir a porta de meu quarto negro
tropeço na luz fosca ensaiada pela cegueira,
acabo por não concluir o poema...
Faltaram-me as palavras a palo úmido
diante dos cacos de minha seca alma que hoje chorou.




sexta-feira, 4 de junho de 2010

Resenha/orelha do livro "Convergências e tessituras..." por Goiandira Camargo

Convergências e tessituras: Manoel de Barros, João Cabral de Melo Neto e Corsino Fortes, originalmente produzido como dissertação de mestrado, é um livro, que, como o próprio título aponta, nasceu da percepção de afinidades entre dois poetas brasileiros e um cabo-verdiano. Tendo a poesia de Melo Neto como foz para onde converge/diverge a poesia dos outros dois poetas, Rosidelma Fraga, com sua sensibilidade de crítica aliada a de poetisa, é leitora do que avulta além da superfície das palavras. Com seu olhar minucioso e investigativo sobre a obra de três grandes poetas, pôde perceber o que neles concorrem para uma poética intertextual. Nessa especulação de uma poesia na outra, é possível fulgurar, em um poeta da exuberância, de versos excedidos de significados, a centelha do cerebralismo cabralino. Barros ajusta a poesia enquanto pensamento antes que sobrevenha à palavra na voz e no papel. E, do outro lado do Atlântico, Fraga foi buscar Corsino Fortes, poeta que ergue a palavra poética da terra e tem nela bandeira de vida de seu povo. Fortes escuta as reentrâncias mais originárias dos dois poetas brasileiros e procura mobilizar em seus poemas a tensão dessa memória de leitura em meio ao que lhe oferece para cantar sua terra.
Fraga fundamenta as tessituras dessa poética com a lição de Antonio Candido: é preciso analisar como funcionam os elementos da comparação na obra dos autores. Dessa forma, além de temas, que convergem/divergem, a autora examina na obra dos poetas o sujeito lírico, o erotismo, a autorreferencialidade poética e os diálogos intertextuais. Tudo isso compõe o gestual poético, emblematizado nas imagens que, por sua vez, se enraizam na natureza, destituídas de peso pelo labor da criação, para ascender pela leveza que Italo Calvino asseverou como uma das qualidades da poesia, que está vindo a ser, desde as últimas décadas do século XX.
Pedras, rios, ilhas e ventos são imagens destituídas na linha do verso de uma geografia física para constituírem geografia de palavras, que solidarizam poetas tão diferentes e tão próximos. O livro que ora vem a público significa mais uma reafirmação da solidariedade que há na palavra poética, sempre generosa, sempre possível de estabelecer encontros. Por sua vez, essa é uma lição da vida, que a própria palavra poética nos ensina constantemente. É o que nos demonstra os trabalhos de literatura comparada, especialmente este de Rosidelma Fraga.

(Profª Drª.Goiandira de Fátima Ortiz de Camargo - Faculdade de Letras -Universidade Federal de Goiás)