Por que escrevo?
Escrevo para não morrer.

(José Saramago)

quinta-feira, 22 de maio de 2014

O LADO SIMBÓLICO DA LÁGRIMA E DO RISO

A simbologia da lágrima e do riso pode ser apreendida nos estudos de Sigmund Freud. O MAL-ESTAR DA CIVILIZAÇÃO permite a agregação com cenas de melancolia e alegria em várias obras literárias e, igualmente, em textos bíblicos no que diz respeito aos impulsos e desejos de felicidade.
Ora, tais impulsos tanto podem provocar a explosão do sofrimento como a liberação do prazer. Conforme Freud (1974), a busca da felicidade humana se organiza como alternativa capaz de levar ao sofrimento e àquela intensa realização do prazer que ocasiona a felicidade por meio dos instintos. Por excelência, Freud explana que o sentimento de alegria deriva-se de um impulso selvagem e instintivo que não pode ser domado pelo ego, pois a satisfação de um instinto é dada pela irresistibilidade ou pela angústia que conduz à felicidade.
Sendo assim, notam-se alguns desses impulsos da lágrima e do riso na arte literária. Pode-se dizer que tão catártica e emblemática na literatura é a cena da morte de Heitor e o primeiro instante em que sua amada o vê sendo arrastado diante das muralhas, conforme se lê na obra ILÍADA, de Homero. Cada movimento provoca uma pulsação que gera gotas e mais gotas de lágrimas. A simbologia instaurada no instante da cena promove no leitor uma série de sentidos: dor, melancolia, nostalgia, perda, ausência, desespero, corroborando para um desdobramento da intransitividade dos verbos amar e morrer.
Se D. Pedro  chorou ao ver o corpo de Inês de Castro na cena lírica de sua morte em Os Lusíadas, de Camões não se pode traduzir a simbologia de cada lágrima, a não ser na relação de catarse dada entre o texto e o leitor.
Tal recepção se nota no choro de Otelo diante do arrependimento do assassinato de seu grande amor Desdêmona, ocasionado pela mentira e pelo ciúme, os quais parecem ser tão extremamente verossímeis quanto à sensação da perda e da ausência de um ser que se esvai.
O choro e o horror de Eugênio frente à morte de sua amada Margarida no romance de tese O seminarista, de Bernardo Guimarães constituem uma simbologia próxima de amor, morte e loucura do romance histórico Eurico, o presbítero, do português Alexandre Herculano. Similarmente a tal obra, parecem ser o choro e o grito de Hermengarda ao final da trama, especialmente na cena de Eurico e sua morte suicida seguida do enlouquecimento da personagem feminina.
E o riso também não nasce como simples paradoxo da lágrima. O riso é a veia poética embebida de uma emoção anteriormente triste, pois como bem grafa o provérbio: “depois de uma noite de choro, vem a alegria”. Ou “o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã”. Sob esse prisma, pode-se asseverar que o choro representa a tempestade e o riso a bonança, porém ambos são interdependentes.
O riso doentio de Olegário, em A MULHER SEM PECADO, do dramaturgo Nélson Rodrigues, nasce como produto da paixão doentia que parece soar como uma bofetada lírica, contribuindo para os  sentimentos de dor e repulsa na personagem Lídia, incapaz de encontrar a felicidade no casamento.
Verifica-se que, em ODISSEIA, o riso emocionante de Penélope na chegada de Ulisses simboliza o prolongamento da lágrima tecida fio a fio na colcha de retalhos enquanto esperava pelo retorno do amado. Igualmente é a cena do reconhecimento de Euricleia quanto à cicatriz de Ulisses em que se tem a sensação de êxtase e alegria na celebração da vida e do retorno.
Nas Escrituras Sagradas, vê-se que o riso da rainha de Sabá também se descortina a partir de anos de escravidão e sofrimento até ser conduzida ao Rei Salomão. A sensação de gozo e felicidade é fruto do choro de uma nação que antes sofria pela escravidão.
Fruto do sofrimento ocasionado pelo destino se nota no choro de Édipo ao ver Jocasta morta. Grito, choro, dor, culpa são os impulsos inevitáveis gerados pelo caminho da decifração da esfinge.
Não diversamente é o choro dos românticos em que morrer por amor parecia não ser o símbolo do sofrimento, mas do prazer na dor. Morrer equivale a mais intensa prova de amar sempiternamente como em Os sofrimentos do Jovem Werther. A felicidade torna-se o gozo peremptório do ato de amar além da vida.
Por conseguinte, em qualquer lugar, em qualquer época, na literatura ou na vida real, sofrer parece o único percurso para se chegar ao bem estar da civilização, como se o grande mal da humanidade fosse cercado pela dicotomia de ser e não ser feliz, eis a questão. Ou como bem filosofou Friedrich Nietzsche ao defender que todo arquétipo de sofrimento e fracasso deveriam ser aprazíveis na direção do sucesso que é a chama da felicidade.


(Por Rosidelma Fraga, para o Portal Entretextos).