A
simbologia da lágrima e do riso pode ser apreendida nos estudos de Sigmund
Freud. O MAL-ESTAR DA CIVILIZAÇÃO permite a agregação com cenas
de melancolia e alegria em várias obras literárias e, igualmente, em textos
bíblicos no que diz respeito aos impulsos e desejos de felicidade.
Ora, tais impulsos tanto podem provocar a explosão
do sofrimento como a liberação do prazer. Conforme Freud (1974), a busca da
felicidade humana se organiza como alternativa capaz de levar ao sofrimento e àquela
intensa realização do prazer que ocasiona a felicidade por meio dos instintos.
Por excelência, Freud explana que o sentimento de alegria deriva-se de um
impulso selvagem e instintivo que não pode ser domado pelo ego, pois a
satisfação de um instinto é dada pela irresistibilidade ou pela angústia que
conduz à felicidade.
Sendo assim, notam-se alguns desses impulsos da
lágrima e do riso na arte literária. Pode-se dizer que tão catártica e emblemática
na literatura é a cena da morte de Heitor e o primeiro instante em que sua
amada o vê sendo arrastado diante das muralhas, conforme se lê na obra ILÍADA,
de Homero. Cada movimento provoca uma pulsação que gera gotas e mais gotas de
lágrimas. A simbologia instaurada no instante da cena promove no leitor uma
série de sentidos: dor, melancolia, nostalgia, perda, ausência, desespero,
corroborando para um desdobramento da intransitividade dos verbos amar e morrer.
Se
D. Pedro chorou ao ver o corpo de Inês
de Castro na cena lírica de sua morte em “Os Lusíadas”, de Camões não se pode traduzir a simbologia de cada lágrima, a
não ser na relação de catarse dada entre o texto e o leitor.
Tal
recepção se nota no choro de Otelo diante
do arrependimento do assassinato de seu grande amor Desdêmona, ocasionado pela
mentira e pelo ciúme, os quais parecem ser tão extremamente verossímeis quanto à
sensação da perda e da ausência de um ser que se esvai.
O
choro e o horror de Eugênio frente à morte de sua amada Margarida no romance de
tese O seminarista, de Bernardo
Guimarães constituem uma simbologia próxima de amor, morte e loucura do romance
histórico Eurico, o presbítero, do português Alexandre Herculano. Similarmente
a tal obra, parecem ser o choro e o grito de Hermengarda ao final da trama,
especialmente na cena de Eurico e sua morte suicida seguida do enlouquecimento
da personagem feminina.
E
o riso também não nasce como simples paradoxo da lágrima. O riso é a veia
poética embebida de uma emoção anteriormente triste, pois como bem grafa o
provérbio: “depois de uma noite de choro, vem a alegria”. Ou “o choro pode
durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã”. Sob esse prisma, pode-se
asseverar que o choro representa a tempestade e o riso a bonança, porém ambos
são interdependentes.
O
riso doentio de Olegário, em A MULHER SEM PECADO, do dramaturgo Nélson
Rodrigues, nasce como produto da paixão doentia que parece soar como uma
bofetada lírica, contribuindo para os
sentimentos de dor e repulsa na personagem Lídia, incapaz de encontrar a
felicidade no casamento.
Verifica-se
que, em ODISSEIA, o riso emocionante de Penélope na chegada de Ulisses simboliza
o prolongamento da lágrima tecida fio a fio na colcha de retalhos enquanto
esperava pelo retorno do amado. Igualmente é a cena do reconhecimento de
Euricleia quanto à cicatriz de Ulisses em que se tem a sensação de êxtase e
alegria na celebração da vida e do retorno.
Nas
Escrituras
Sagradas, vê-se que o riso da rainha de Sabá também se descortina a
partir de anos de escravidão e sofrimento até ser conduzida ao Rei Salomão. A
sensação de gozo e felicidade é fruto do choro de uma nação que antes sofria
pela escravidão.
Fruto
do sofrimento ocasionado pelo destino se nota no choro de Édipo ao ver Jocasta
morta. Grito, choro, dor, culpa são os impulsos inevitáveis gerados pelo
caminho da decifração da esfinge.
Não
diversamente é o choro dos românticos em que morrer por amor parecia não ser o
símbolo do sofrimento, mas do prazer na dor. Morrer equivale a mais intensa
prova de amar sempiternamente como em Os sofrimentos do Jovem Werther. A felicidade
torna-se o gozo peremptório do ato de amar além da vida.
Por
conseguinte, em qualquer lugar, em qualquer época, na literatura ou na vida
real, sofrer parece o único percurso para se chegar ao bem estar da civilização, como se o grande mal da humanidade
fosse cercado pela dicotomia de ser e não ser feliz, eis a questão. Ou como bem
filosofou Friedrich Nietzsche ao defender que todo arquétipo de sofrimento e fracasso deveriam
ser aprazíveis na direção do sucesso que é a chama da felicidade.