Quando se está cansado da aura lírica
Não se sente a dor dos espinhos, na hora
que a morte bate à porta no fim do mundo.
A flor e a poesia não atraem a beleza de um pássaro
no fim de uma tarde envaidecida de catarse.
Quando se está cansado da aura lírica
O dia amanhece preso na noite disfarçada
da solidão de palavras muito gastas.
Mas quando o dia anoitece o coração
fenece, borbulha e palpita
pela castidade de um minuto com vírgulas
e sílabas incompletas de espera.
Uma esperança de poesia,
ainda que rápida como uma semifusa...
ainda como um a appogiatura sem pontos e compassos
com pressa dos ritmos a palo seco.
Quando o dia da minha morte chegar
Eu quero desvelar o véu de um poema sacro
Talvez tocarei suave no corpo suado da música
e da síncope regida por arlequins sem visão.
Esmagarei o avesso do olhar ébrio e taciturno
dos homens que amei em silêncio, a saber:
a) os bêbados sem lares e pesares;
b) os transeuntes e nômades;
c) os envaidecidos de egos e desenganos;
d) os ciganos rejeitados pelas religiões;
e) os mendigos com ternura recôndita;
f) os esquecidos no banco de praça;
g) os hippies que a mim se identificam;
h) os darwinistas e ateus que rezaram atrás da porta;
i) Nietzsche que se converteu em silêncio...
j) os velhos que se tornaram crianças;
k) os poetas cuja alma não envelheceu;
l) até mesmo os amantes que nunca me despiram
e me fizeram engolir o sêmen da poesia que não escrevi.
Quando meu dia de morte chegar
Quero me redimir diante da prosa
E desvendar os olhos diante da poesia erótica...
A poesia inundou minha alma inteira.
No breve instante de respiração
Beberei o último gole de vinho afrodisíaco
Soltarei meus longos cabelos negros
Tirarei os sapatos na passarela sagrada
E Adeste Fidelis a Pavarotti dançarei.
Disfarçarei minha nudez na cortina do céu
E diante da pressa e da falta de roupão das palavras
Rabiscarei alguns poemas secos...
Gritarei na hora nona, a cor da aura procurada
Que nem Rimbaud e Drummond encontraram.
A folha branca e asséptica na porta do céu estará...
Certamente deixada a mim, por Cabral – ainda que ateu...
Porque Deus fez o homem à sua imagem
A imagem fez-se poesia na mão do arquiteto.
Eu tecerei a manhã e o dia seguinte
E beberei a absoluta poesia fora da asa.
Finalmente, quando a porta do universo se abrir,
Zombarei de todos os grandes poetas __ Drummond,
Cabral (o João), Murilo Mendes, Montale, Baudelaire,
Rimbaud, Manoel de Barros e outros tantos__
que jamais pintaram a poesia procurada:
Aquela grande poesia que enlaçarei nos olhos de Deus.
Deus é o verbo desaguando no meu último instante
O infinito deságua em mim e eu oceano.