Por que escrevo?
Escrevo para não morrer.

(José Saramago)

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

SONATA PARA VOZES SILENCIOSAS

(Exclusivamente a um poeta maldito)

As vozes silenciosas convidam-me ao poema
Na verdade ele já estava aqui pronto
Antes mesmo de saber que iria nascer.

Benditas são as palavras, o violino, a flauta
e os arpejos que tocam dentro de mim.
Quiseram-me atribuir as qualidades da náusea lírica
Ou de um ser fragmentado como mil cacos sem voltas.
As voltas que a música dá são mais consistentes
Mais fortes que as flores vermelhas jogadas no lixo.

Na verdade é o réptil medroso que não ouve a valsa
Sabe apenas que não ouvirá mais a minha história
O mundo está completo de renúncias e sagas
Eu sou o próprio abandono sem metáforas.
Olho o ser retraído e ouço o silêncio da sonata.
Ele estende-me a mão, suplica em silêncio, mas não há futuro.
O maldito verme sabe que não haverá completude.
Então finge não sentir o amor do outro lado da vida
Acredita ter vivido o bastante, mas sem vida absoluta
Porque o verme dura tão pouco como a Flor: ambos definham.
O que restou?
Sobraram comigo a palavra muda e a música de Bethoveen.
E não comunicamos mais nada.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

ADORNOS

Adornai-me de pétalas.
Pétalas vermelhas
Rosas que se esmagam.

Adornai-me deveras
de espumas flutuantes.

Em verdade, não quero rosas e espumas,
Quero tocar nas algemas de cada verso nu:
um verso sem misticismo e filosofias.

Diante do verso adornado de rosas,
vai a minha alma enciumada.
Entretanto, coroaram-me de pedras...
Pedras que eu rejeitei e nem mesmo sonhei.

As rosas e as espumas ficaram diante de mim.
Supliquei ainda com última voz:
Adornai-me de pétalas
Pétalas amarelas, rosas, vermelhas, secas
ou assim mesmo de náuseas.
Que sejam pétalas feias e secas,
mas, coroai-me de rosas
na hora de meu adeus à explosão do mundo.

 

 

 

domingo, 8 de fevereiro de 2009

TRAÇOS

Retalhos costurados

de palavras

são meus traços dedilhados.



Traços em pedaços

são meus dias velozes pelas ruas

e pelos cacos de cada verso

que ainda minhas mãos não juntaram.

VERME SUBLIME

O verme ergueu-se de suas escórias
Rastejou
Cambaleou
Caiu.

O verme é simplesmente o verme.
É feio como a flor no asfalto.
Não há nada mais significante que um verme retraído.
Tremendo de frio e medo está o verme...
Eu me vejo agora em petição de verme...
Em fragmentos;
Em estado de abandono e de tudo que suscite piedade.

Ora, um verme é sempre o desejo de esmago
de exterminação de futuro.
Pois não há presente, nem esperança diante dele.
O verme sou eu aplaudida pela rejeição do mundo.
O verme foi roído pelas ruínas do lixo
O verme ergueu-se no entulho sublime.