Por que escrevo?
Escrevo para não morrer.

(José Saramago)

quinta-feira, 26 de julho de 2012

GUARDADOS


No esconderijo de quase duas décadas, guardo ainda o lirismo de teu olhar banhado de carícias e confesso que nele havia mais poesia que o surgimento do primeiro arco-íris no universo.
Guardo a canção de teus passos apressados e de tua respiração ritmada na despedida, porque os grandes amores nunca aprenderam a dividir o tempo da palavra adeus.
Guardo o teu último abraço como alguém que recebe um diamante mais cobiçado e esconde num cofre cheio de segredos e depois registra o código no diário do tempo ininterrupto.
Guardo na caixa de minhas lembranças, no lugar mais recôndito e inabitável dos imortais, o traço rubro de teu sorriso, a busca intensa de teu olhar e o suspiro de quem acelera a maratona do verbo apaixonar que se abre para a inocência de quem amou pela primeira vez e nunca esqueceu. "Amar é a eterna inocência. E a única inocência, não pensar". Aprendi isso amando-te e ouvindo um dos poetas inventado por Fernando Pessoa.
Guardo a imagem de tua pele molhada nas águas epifânicas do rio Araguaia e ainda hoje sinto  ciúmes até das gotas e da toalha que secou o teu corpo naquela tarde de fim de ano.
Guardo a tua imagem na cadeira da varanda à espera do beijo proibido. Guardo o teu retrato na parede da memória como Leonardo da Vinci consagrou Monalisa. E de tanto prezar pelo eterno enquanto dure, conjuguei o infinitivo do verbo guardar, pois, guardando-te em meu silêncio, o verbo amar, por sua intensidade, afixou em mim o beijo colossal de nossas almas que noutras vidas se amaram após a morte.

3 comentários:

CHIICO MIGUEL disse...

mComentar o quê, amiga Rosidelma. Coisa mais bonita,bela mesmo em poucas linhas de prosa eu ainda não tinha visto. Você é uma das maiores prosadoras e poetas da nova geração de escritores brasileiros, não tenho dúvda. Quando convidei-a para fazer o prefácio de meu grande livro "Poesia in Completa", 2ªedição revista e aumentada com as novas produções é porque sabia do seu talento - e sei. Arre.
Para quem você escreveu essa crônica,se foi pra mim - eu vou morrer. Se foi para o poeta Manoel de Barros, também vou morrer - mas de inveja.
Minha amiga, um grandioso abraço, como sempre, partido do coração ou de coração partido porque ainda não foi possível a gente acontrar-se pessoalmente.
bjs.
chico miguel de moura

ROSIDELMA FRAGA disse...

Amigo poeta, seu comentário me envaidece porque meus textos, conforme os anônimos, são uma merda. Mas gostei de seu Arre...o texto foi apenas escrito. Aqui, o destinatário será sempre o leitor, mas acolá, no íntimo do ser empírico (o autor) há sempre um outro ser que move o texto, mas não vou dizer para quem não. Aliás a pessoa para quem escrevi o texto nem leu e nem sei se irá ler.

ROSIDELMA FRAGA disse...

Quanto ao seu livro, será sempre um prazer falar de sua produção lírica. E obrigada pelo voto de confiança. Quem sabe um dia possamos conversar pessoalmente. Também não conheço Manoel de BArros pessoalmente, mas já escrevi um livro de literatura infantil para ele, sem editora e sem dinheiro para publicar...mas o tempo dará as respostas. Abraço em teu coração de vigor poético, Chico.