Por que escrevo?
Escrevo para não morrer.

(José Saramago)

terça-feira, 28 de abril de 2009

ESTRANHAMENTO


(Ao poeta Dante Gatto -

Em certo dia, na encarnação de um eu-lírico).

 

Tudo será estranhamento
o dia em que tua morte chegar.

A luz do dia será a treva
consumindo-se diante de mim.
Todas irão arranhar a tua pele a suplicar que não vá.
Eu não estarei por perto certamente.
Minha ausência flutuante será mais estranha
Que os vermes de Brás Cubas em delírios.

A valsa fúnebre como um Réquiem te seguirá.
A luz não dará mais a luz.
Todas irão embora
olhando para trás
como alguém que viveu e se perdeu.

Minha ausência contemplará o grito final.
Depois da noite a luz será o dia seguinte.
A ausência tua ficará embebida no lençol
E o teu cheiro suado irá ser estranho.

Ficarei aqui querendo ser a Terra.
Todas irão embora e eu quem não chorou...
Eu quem sempre esteve ausente, prantearei.
Beijarei os teus pés como quem amou sempre e nunca se perdeu.
Não terei o encontro absoluto porque poetas nunca amam...
E a minha poesia não canta o tema banal do amor.

Não obstante, rasgarei a palavra do barro
Extrairei toda a minha saudade e estarei sorrindo e gritando
Porque, afinal, meu amor, todas as tuas amantes partiram...
E eu quem nunca o abracei e nunca o beijei
Estive e estarei contigo ao chão do silêncio...
O mesmo silêncio que é a gente demais.



3 comentários:

Anônimo disse...

Uma homenagem a quem não merece.

TRANCO disse...

De fato, não mereço. E quando escrevo isto vislumbro uma pálida completude (não vislumbro nada em outras circunstâncias) neste não merecimento. Todos os poetas têm suas contradições internas que apontam para uma complexa totalidade. Rosidelma, além da vigorosa poesia, se aproximou de poetas merecedores de homenagem como Manoel de Barros, mas, talvez até influenciada pela lírica de Barros, ela homenageou o irreconhecível... esquecido, inútil e, por vezes, até destrutivo (dissonância?). Não há tomem pelo que ela não merece, por conta desta homenagem desastrada. Há lirismo nisto. Os meus merecimentos são poucos, quase nenhum, mas está no cerne do meu não merecimento alguma coisa que resplende inominada que só a luz de um profundo lirismo poderia alcançar.

ROSIDELMA FRAGA disse...

Não se trata de merecimento ou não. Poeta apenas escreve. E se há algum sentimento em poesia é o de "fingir a dor que deveras sente". Se há verdade no fingimento não cabe ao poeta explicar ou desexplicar. O leitor existe para isso. E é a voz do poema que deve ser ouvida e proclamada, independente dos sabores ou dissabores entre uma pessoa e outra. Também não sei explicar as causas das homenagens. Eu leio o avesso da alma das pessoas e vou escrevendo e inventando histórias que, talvez, nem existiram. Ou existiram? Tenho dito.
Obrigada aos anônimos aqui, por e-mail e os que assumem a identidade e ocupam um minuto para ler a minha poesia insignificante.